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Flor de Sangue - Unama

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www.nead.unama.br<br />

espécie; mas o que mais assombra é ver um dia <strong>de</strong>smanchar-se, ruir, esten<strong>de</strong>r-se<br />

em pedaços no solo a pirâmi<strong>de</strong>, o ginasta da velhacada cair com ela, diante do<br />

público e... levantar-se novamente, lépido, risonho, incólume, construir outra coluna<br />

<strong>de</strong> contos do vigário e sobre ela novamente manter-se regalado, estimado dos<br />

homens, querido das mulheres, beijado da sorte, festejado <strong>de</strong> todos. Ah!<br />

Compreendo e justifico esses coitados que, começando honestos e bons a labuta da<br />

vida, <strong>de</strong>sprotegidos da sorte, esquecidos <strong>de</strong> Deus, estafam-se na luta acérrima e,<br />

contemplando os outros, os tais a que me estou referindo, <strong>de</strong>scrêem da virtu<strong>de</strong>,<br />

cansam da honestida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>sesperam-se da Providência e acabam imitando-os e<br />

per<strong>de</strong>ndo-se.<br />

Salvo os casos que constituem as exceções necessárias à confirmação da<br />

regra, para vencer, para triunfar na vida, nesta aspérrima vida contemporânea, é<br />

preciso, mesmo aos honestos, uma boa dose, bem combinada, <strong>de</strong> audácia, <strong>de</strong><br />

hipocrisia e <strong>de</strong> cruelda<strong>de</strong>; nada temer, não dizer senão verda<strong>de</strong>s úteis e nunca toda<br />

a verda<strong>de</strong> e não ter pena <strong>de</strong> ninguém sem proveito próprio. Se essas qualida<strong>de</strong>s são<br />

bem dosadas e bem combinadas e se têm ao seu serviço uma inteligência clara e<br />

polida por alguma cultura, o êxito é seguro. O que a socieda<strong>de</strong> chama <strong>de</strong> pior a<br />

esses homens é "egoístas"; mas admira-os, inveja-os e respeita-os.<br />

Hugo da Rosa não era, porém <strong>de</strong>ssa classe, mas da outra, dos<br />

ingenitamente imorais, inteiramente falhos do precioso senso do bem abstrato,<br />

capazes <strong>de</strong> todas as ações necessárias à consecução do seu i<strong>de</strong>al no mundo — a<br />

fruição <strong>de</strong> todos os gozos. A alma <strong>de</strong>sses homens, se fosse material, parece-me que<br />

<strong>de</strong>vera revestir a forma <strong>de</strong>sses estranhos zoófítos chamados medusas, conhecidos<br />

vulgarmente por "geleias do mar" ou "águas-vivas" — massas gelatinosas, brancas,<br />

visguentas, frias mas cáusticas, sem forma <strong>de</strong>finida.<br />

Poucos meses durava a ligação repugnante <strong>de</strong>sse homem com a mulher <strong>de</strong><br />

Fernando e já a pobre moça amargava e expiava, em sofrimentos jamais<br />

suspeitados sequer, essa falta e as que a prece<strong>de</strong>ram, todas as suas culpas <strong>de</strong><br />

adúltera.<br />

Os seus primeiros amantes eram dois perfeitos cavalheiros; e duas almas<br />

nobres — incapazes <strong>de</strong> uma vilania. É verda<strong>de</strong> que o barão <strong>de</strong> Santa Lúcia se<br />

vingara <strong>de</strong>la cruelmente, quase brutalmente; mas, em sua consciência, ela<br />

reconhecia que um homem daquele temperamento e amando-a <strong>de</strong> tal modo, ao<br />

saber-se traído com um biltre do jaez do Rosa, era natural proce<strong>de</strong>sse como<br />

proce<strong>de</strong>u. Quando a <strong>de</strong>sgraça viu <strong>de</strong> perto, nua, escancarada, a alma <strong>de</strong> Hugo,<br />

ficou, transida <strong>de</strong> horror, como a mãe que, ao acordar, encontra enroscada junto ao<br />

seio, entorpecida no sono haurido no seu leite, uma cobra ascorosa, em vez da<br />

cabecinha do filho amado. E teve imediatamente este pressentimento: "Estou<br />

perdida!" E ela somente conheceu a alma do miserável <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> dois ou três meses<br />

<strong>de</strong> ligação.<br />

A principio os seus vícios requintados <strong>de</strong> alcova, a sua experiência<br />

consumada <strong>de</strong> gozador espantou-a, repugnando-lhe; mas a semente perniciosa<br />

encontrava terreno propicio, bem preparado a recebê-la, e plantificou virente. Ao fim<br />

<strong>de</strong> algumas sessões a discípula quase igualava ao mestre. Corina podia ser<br />

recebida entre as 1400 sacerdotisas <strong>de</strong> Afrodite Astarté, no recinto sagrado do<br />

Didascalion, na cida<strong>de</strong> santa do amor físico, tão artisticamente <strong>de</strong>scrita por Pierre<br />

Louys no seu famoso romance. A obra do impudor, da prostituição estava completa;<br />

Corina era uma cortesã, tornara-se a digna amiga <strong>de</strong> Santinha, a quem os seus<br />

progressos enchiam <strong>de</strong> pasmo como os seus dotes físicos <strong>de</strong> inveja.<br />

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