You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
www.nead.unama.br<br />
No primeiro encontro com o barão a que foi Corina <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ser amante do<br />
guarda-livros, e a que não quis faltar para evitar suspeitas da parte <strong>de</strong> Lúcio, não foi<br />
este quem a recebeu, à porta, como costumava, mas a velha criada francesa que<br />
tomava conta do chalezinho. Perguntou por Lúcio; a criada informou que o senhor<br />
barão estava no boudoir e lhe pedia o favor <strong>de</strong> lá ir. Corina entrou, abrindo as<br />
cortinas <strong>de</strong> guipura que o separavam da sala e estacou, apenas transpôs a porta,<br />
perplexa, imóvel, reduzida a estátua.<br />
No elegante boudoir, formado no quarto <strong>de</strong> dormir por um lindo biombo<br />
chinês, que ocultava a cama, dividindo-o em dois, estava o barão sentado numa<br />
ca<strong>de</strong>ira, a cavaleiro, com os braços cruzados sobre o espaldar, sério, pálido, vestido<br />
<strong>de</strong> preto, conversando ou fingindo-o, com uma mulher <strong>de</strong>itada, em frente <strong>de</strong>le, sobre<br />
uma chaise-longue, estofada <strong>de</strong> damasco. Era Ma<strong>de</strong>lon. Vestia apenas uma<br />
camiseta <strong>de</strong> seda cor <strong>de</strong> ouro velho, <strong>de</strong> cuja fímbria saiam as pernas, mo<strong>de</strong>ladas em<br />
meias pretas, e fumava uma cigarrilha negligentemente.<br />
A surpresa das duas mulheres, encontrando-se, foi enorme. Corina<br />
empali<strong>de</strong>ceu mortalmente e cerrou as pálpebras; a francesinha ergueu-se confusa,<br />
interrogando o barão com os olhos espantados. Mas o barão, sem se perturbar nem<br />
levantar-se, disse com um tom <strong>de</strong> irônica cerimônia, apresentando-as:<br />
— Ma<strong>de</strong>leine ou Ma<strong>de</strong>lon, como é mais conhecida, estrela do nosso<br />
<strong>de</strong>mimon<strong>de</strong>, minha amante; madame Hugo da Rosa, estrela do nosso grand-mon<strong>de</strong>,<br />
minha ex-amante.<br />
Corina sentiu vergarem-se-lhe as pernas ante a afronta inesperada e<br />
cru<strong>de</strong>líssima; uma nuvem cobriu-lhe <strong>de</strong> sombras a vista; agarrou-se ao portal. Mas a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fugir daquele recinto era tão imperiosa que conseguiu, dominando a<br />
sua comoção, sair do boudoir, buscando, vacilante, atordoada, a porta da rua,<br />
através da sala. Mas o barão estava a seu lado, acompanhando-a, e dizia-lhe com<br />
um tom <strong>de</strong> voz estranho, cavernoso, assustador:<br />
— O doutor Paulino, o seu primeiro amante, substituiu aquela cocote pela<br />
senhora; eu faço o contrário: substituo-a por aquela cocote. Passe bem.<br />
E abriu a porta envidraçada que comunicava a sala com o jardim. Corina<br />
saiu sem uma palavra, sem um gesto, lenta, hirta, como uma sonâmbula.<br />
Três dias <strong>de</strong>pois partia o barão <strong>de</strong> Santa Lúcia para a Europa, sem <strong>de</strong>ixar<br />
um cartão <strong>de</strong> <strong>de</strong>spedida a ninguém.<br />
CAPÍTULO II<br />
UM MISERÁVEL<br />
Fernando era <strong>de</strong>cididamente um homem perdido para a família e para a<br />
socieda<strong>de</strong>. Fizera do jogo profissão: <strong>de</strong>le, por ele e para ele vivia. Deixara<br />
inteiramente <strong>de</strong> freqüentar os amigos: não fazia uma visita; não acompanhava a<br />
esposa a um divertimento; não lia um livro; não sabia dos acontecimentos políticos<br />
que agitavam a opinião senão pelos boatos ou comentários que lia ao acaso num<br />
jornal ou ouvia à mesa do jantar, no clube.<br />
97