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Flor de Sangue - Unama

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www.nead.unama.br<br />

Voltou, ele? Abraçar novamente aquele amigo generoso, boníssimo, que ele<br />

enganara torpemente, estar novamente entre ele e aquela com quem o atraiçoara —<br />

não! Era impossível! Urgia que se matasse. Se <strong>de</strong>morasse a execução da sua<br />

sentença, Fernando podia vir a São Paulo e talvez com a mulher, como surpresa.<br />

Convinha respon<strong>de</strong>r logo ao telegrama para impedir que tal acontecesse.<br />

Respon<strong>de</strong>u nestes termos:<br />

"Parabéns. Regresso em três dias. Sauda<strong>de</strong>s".<br />

Deu o telegrama ao criado do hotel para que o passasse, e, enquanto<br />

mudava a roupa, ajudado por Alfred, que se <strong>de</strong>clarava encantado com a Paulicéia,<br />

<strong>de</strong>terminava o dia e a hora em que <strong>de</strong>via matar-se:<br />

"A carta para Fernando está pronta, apenas precisando <strong>de</strong> alguns retoques.<br />

Na volta do teatro passo-a a limpo. Amanhã faço o testamento e entrego-o a um<br />

tabelião para o aprovar e guardar; compro o revólver e a noite acabo com isto. O<br />

encontro com Julião foi que me atrapalhou. Queira Deus que não voltem amanhã os<br />

outros amigos que vieram hoje visitar-me" — pensava.<br />

Restava-lhe, pois apenas um dia <strong>de</strong> vida. Mas, como o con<strong>de</strong>nado à morte,<br />

que até o momento <strong>de</strong> ser executado, espera vagamente a salvação e com essa<br />

esperança se reconforta e ganha valor para o transe supremo, Paulino <strong>de</strong>ixava<br />

embalar-se intimamente por uma voz acalentadora, que lhe murmurava um "talvez"<br />

suavíssimo... Que podia ser esse "talvez"? Quem saberia dizê-lo? A morte <strong>de</strong><br />

Fernando... a fuga <strong>de</strong> Corina dos braços do marido para os do amante...<br />

Oh! O acaso tem às vezes soluções tão imprevistas e tão boas! Graças a<br />

essa abençoada e po<strong>de</strong>rosa força — a esperança, que só abandona o homem no<br />

<strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro instante <strong>de</strong> sua vida, quando ele exala o último alento, estava tranqüilo o<br />

<strong>de</strong>sgraçado e passou a noite divertidamente, muito mais do que esperava.<br />

No teatro, on<strong>de</strong> fora com Julião, segundo haviam combinado, encontrou o<br />

seu antigo companheiro <strong>de</strong> colégio e <strong>de</strong> aca<strong>de</strong>mia, Carlos Oliva, o famoso e<br />

impagável boêmio, que estava no terceiro ano do curso jurídico, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> haver<br />

estudado dois anos engenharia e três anos medicina.<br />

Filho <strong>de</strong> família abastada e único varão, faziam-lhe os pais todas as<br />

vonta<strong>de</strong>s e perdoavam todos os <strong>de</strong>sregramentos. Era "um pân<strong>de</strong>go", na opinião <strong>de</strong><br />

todos. Moreno, magro, olhos fulgentes através dos discos cristalinos dos óculos <strong>de</strong><br />

ouro, cabelos magníficos <strong>de</strong> ébano luzente, em ondas, <strong>de</strong>ntes soberbos, voz clara e<br />

<strong>de</strong> sonorida<strong>de</strong> metálica, gestos exuberantes, excessivos, pronto sempre na réplica<br />

mordaz, no comentário malicioso, na piada imprevista.<br />

Cultivava com amor todos os vícios elegantes: as mulheres, o jogo e a<br />

mesa. Era geralmente estimado pela fidalguia suprema com que <strong>de</strong>spedia as<br />

amantes <strong>de</strong>caídas da sua real graça e com que perdia somas consi<strong>de</strong>ráveis ao<br />

lansquenet e à roleta; pelo seu inalterável bom humor, e, enfim, pela perfeita cortesia<br />

<strong>de</strong> gentleman com que a todos tratava.<br />

Carlos Oliva fez uma festa espantosa a Paulino, a quem fora sempre muito<br />

afeiçoado. Foi um espoucar <strong>de</strong> Ohs! E um chover <strong>de</strong> abraços que atordoaram o<br />

médico. No fim do espetáculo saíram os três: Paulino, Julião e Carlos Oliva. Este<br />

convidou os amigos para cear; Julião escusou-se: tinha um doente gravíssimo e que<br />

precisava visitar ainda, apesar do adiantado da hora: e retirou-se <strong>de</strong> carro,<br />

combinando um encontro para o dia seguinte.<br />

Então o boêmio perguntou ao amigo:<br />

— E você homem para acompanhar-me?<br />

— Isso <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> saber aon<strong>de</strong>.<br />

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