Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
www.nead.unama.br<br />
Mas não estava só; tinha consigo a Matil<strong>de</strong>, uma mulatinha clara, trêfega, <strong>de</strong><br />
olhos sonsos, que era sua criada <strong>de</strong> quarto.<br />
— Vais sair?<br />
— Vou, mas enquanto me visto po<strong>de</strong>mos conversar.<br />
— Sim; mas não tem pressa o que tenho a dizer-te — respon<strong>de</strong>u Corina<br />
com olhar oblíquo para o lado da Matil<strong>de</strong>, que ia arrumando sobre a cama as roupas<br />
que a ama <strong>de</strong>via vestir.<br />
Tendo passado uma saia, Santinha envolveu as espáduas em uma toalha e<br />
sentou-se em frente do espelho, que lhe <strong>de</strong>volveu a imagem fielmente.<br />
Matil<strong>de</strong> penteou-a com admirável presteza e habilida<strong>de</strong>; calçou-lhe as meias<br />
pretas <strong>de</strong> seda e os sapatinhos <strong>de</strong> pelica, e quando acabou <strong>de</strong> atacar-lhe o colete,<br />
Santinha <strong>de</strong>spediu-a dizendo-lhe que acabaria a toalete sozinha.<br />
Matil<strong>de</strong> saiu com um "sim, senhora" humil<strong>de</strong>, mas não sem um olhar <strong>de</strong><br />
soslaio para as duas, cheio <strong>de</strong> malícia e curiosida<strong>de</strong>.<br />
— Que apuro! — exclamou Corina. — Isto cheira-me a entrevista.<br />
— Acertaste. Vou encontrar-me com o meu poeta. Não po<strong>de</strong>s calcular como<br />
estou impaciente!<br />
— Está se vendo. Se eu pu<strong>de</strong>sse, dava-lhe os parabéns: estás realmente<br />
apetitosa.<br />
— Lisonjeira! Estou mas é envelhecendo; por isso é que vou aproveitando o<br />
que posso. Mas, diz-me: o que há <strong>de</strong> novo? Tu por aqui, a esta hora, <strong>de</strong> sopetão,<br />
hum! É novida<strong>de</strong>... Conta lá.<br />
Corina narrou-lhe a cena da véspera e a partida imprevista <strong>de</strong> Paulino e, por<br />
fim, pediu-lhe conselho sobre o que <strong>de</strong>via fazer.<br />
— É evi<strong>de</strong>nte que te ama. Eu já o sabia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a noite da chegada <strong>de</strong>le; — e,<br />
enquanto falava, ia perfumando com o pulverizador os selos, o pescoço, as axilas.<br />
— Não te <strong>de</strong>ixava com os olhos; perturbava-se todo quando lhe falavas... Aquela<br />
timi<strong>de</strong>z é um indício infalível <strong>de</strong> amor. Agora esta verda<strong>de</strong>ira fuga não <strong>de</strong>ixa dúvida<br />
possível. Eu, no teu caso, adotaria o seguinte plano <strong>de</strong> campanha: quando ele<br />
voltasse, retraía-me, evitava-o, mostrava não me lembrar da cena do belve<strong>de</strong>re; faria<br />
enfim tudo para não assustá-lo, para que ele se fosse <strong>de</strong>ixando ficar perto do fogo<br />
sem lhe sentir o calor. Mas, ao mesmo tempo, aumentaria o meu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> sedução,<br />
disfarçadamente: hoje um vestido leve e justo, amanhã um <strong>de</strong>cote mais fundo e os<br />
braços nus, <strong>de</strong>pois um <strong>de</strong>scuido que mostrasse o começo da perna, ou uma atitu<strong>de</strong><br />
mais lânguida. Desse modo, nada vendo <strong>de</strong> positivamente ameaçador e preso, por<br />
outro lado, quase sem o saber, por todas essas seduções, ele se <strong>de</strong>ixaria ir ficando.<br />
E assim até que chegasse, finalmente, o dia da batalha campal <strong>de</strong>cisiva; nesse dia,<br />
o gran<strong>de</strong> golpe.<br />
— E qual seria esse gran<strong>de</strong> golpe?<br />
— Ele é médico. Uma noite em que estivesses sozinha, em perfeita<br />
segurança, sentirias um incômodo, tonturas, falta <strong>de</strong> ar... A criada te afrouxaria as<br />
roupas e correria a chamá-lo... O resto... ao acaso, e não falha; asseguro-te. O<br />
acaso é um bom amigo dos amantes.<br />
41