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chapéu, nem botinas, lívido, <strong>de</strong>sgrenhado, manchado <strong>de</strong> sangue. Quis negar-se a<br />
conduzi-lo, assustadíssimo. Mas viu brilhar o cano <strong>de</strong> um revólver e achou pru<strong>de</strong>nte<br />
obe<strong>de</strong>cer.<br />
O cavalo partiu a galope.<br />
CAPÍTULO V<br />
"O COMENDADOR"<br />
A morte inopinada <strong>de</strong> Fernando Gomes, o Comendador, como lhe<br />
chamavam todos na Casa <strong>de</strong> Detenção, guardas e presos, causou gran<strong>de</strong> sensação<br />
no estabelecimento, e foi para os <strong>de</strong>tentos uma diversão excelente, que lhes ocupou<br />
as atenções ociosas por todo aquele dia tórrido <strong>de</strong> janeiro, 22 — se bem me lembro<br />
— <strong>de</strong> 189...<br />
Fora o Barbas <strong>de</strong> Arame quem <strong>de</strong>scobrira, às oito horas da manhã, que o<br />
Comendador era cadáver.<br />
Dia estival, o sol começara cedo o seu giro <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> luz e calor, e<br />
às seis horas já o cubículo 25 estava cheio <strong>de</strong> clarida<strong>de</strong>, que entrava pela janela<br />
quadrada e alta, gra<strong>de</strong>ada <strong>de</strong> ferro.<br />
Era uma cela <strong>de</strong> quatro metros <strong>de</strong> comprimento sobre dois e meio <strong>de</strong><br />
largura, apenas suficiente para um homem, e na qual entretanto, viviam cinco —<br />
favor, ainda assim, muito especial, conseguido da administração pelos amigos <strong>de</strong><br />
Fernando; pois que em muitos outros cubículos, iguais àquele em tamanho, havia<br />
oito, <strong>de</strong>z e mais pessoas.<br />
Nenhum móvel — nem tarimba, nem mesa, nem banco —, o assoalho nu,<br />
imundo, maculado <strong>de</strong> toda sorte <strong>de</strong> sujida<strong>de</strong>s, luzidio <strong>de</strong> gordura e do atrito dos pés.<br />
Fora, por sobre a porta baixa, <strong>de</strong> varões <strong>de</strong> ferro em xadrez, pintados <strong>de</strong><br />
ver<strong>de</strong>, havia um cartaz em que se lia: Abastados. Isso explicava que os <strong>de</strong>tentos<br />
tivessem colchões, lençóis, cobertas e travesseiros — o que só se encontrava nos<br />
cubículos em que havia cartaz idêntico. Essa classe <strong>de</strong> presos tinha ainda, graças<br />
ao seu dinheiro, outras regalias, como não vestir a roupa da casa — camisa <strong>de</strong><br />
algodão e calça <strong>de</strong> zuarte, e po<strong>de</strong>r mandar vir a comida <strong>de</strong> fora.<br />
Naquela manhã quem primeiro acordou foi o Macaroni; eram cinco e meia.<br />
Sentou-se na cama, coçou com as unhas sujas a cabeladura crespa do largo peito<br />
nu, esticou os braços, bocejou ruidosamente, acen<strong>de</strong>u um cigarro e quedou-se a<br />
fumar, com os joelhos unidos ao peito e os braços cingindo os joelhos; e assim,<br />
fumando e cuspinhando, olhava com atenção para os companheiros.<br />
Barbas <strong>de</strong> Arame, embrulhado num lençol, que lhe acusava a ossatura<br />
angulosa e <strong>de</strong>scarnada, todo esticado, com a sua cabeça admirável <strong>de</strong> caráter — a<br />
calva enorme, as barbas ralas e grisalhas <strong>de</strong> fios ásperos e longos, as faces lívidas<br />
e encovadas —, parecia um asceta, morto <strong>de</strong> jejuns e penitências.<br />
Depois <strong>de</strong>le, sobre as tábuas, tendo durante o sono escapado da enxerga,<br />
estatelava-se o Maricas, todo nu, mas <strong>de</strong> meias pretas — não podia dormir sem elas<br />
—, com os braços abertos, o peito ofegante <strong>de</strong> calor, e uma serenida<strong>de</strong> risonha<br />
espalhada nos traços <strong>de</strong>licados do rosto quase imberbe.<br />
Macaroni, ao observá-lo naquela postura cômica, sorriu-se e exclamou,<br />
como dirigindo-se ao dormente:<br />
— Fà caldo, non é vero, carino?<br />
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