You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
www.nead.unama.br<br />
Após o suicídio do primeiro amante tivera mais dois, o primeiro dos quais<br />
fora o elegante e pertinaz barão <strong>de</strong> Santa Lúcia — esse homem excepcional que<br />
tinha e praticava a rara e preciosa virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> "saber esperar", e que mais uma vez<br />
vira confirmada a sabedoria da sua máxima e divisa: "Acontece sempre o que se<br />
quer com firmeza e se espera com paciência".<br />
A impressão causada em Corina pela morte sinistra e consternadora do seu<br />
amante fora profunda, extraordinária, <strong>de</strong> modo a parecer que seria igualmente<br />
duradoura; e foi tão forte que se o marido amasse menos Paulino e pu<strong>de</strong>sse distrair<br />
a sua dor observando a alheia, teria provavelmente estranhado fosse tão violento o<br />
efeito <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>sgraça sobre Corina. Mas, passadas duas ou três semanas, uma<br />
singular transformação se operou nas idéias e nos sentimentos <strong>de</strong>sta a respeito do<br />
seu primeiro e infortunado amante. Entrou a convencer-se <strong>de</strong> que se ele a amasse<br />
realmente não se teria matado; que não foi ela a causadora daquele infortúnio mas<br />
sim a esquisitice do gênio <strong>de</strong> Paulino, que sempre tivera idéias extravagantes, fora<br />
do comum, absurdas mesmo. Se ele a amasse <strong>de</strong>veras, como lhe dissera e jurara<br />
tantas vezes, em vez <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixá-la e estourar os miolos, teria ficado junto <strong>de</strong>la, para<br />
vê-la, ouvi-la, beijá-la, tê-la sempre perto <strong>de</strong> seu coração.<br />
Proviera lhe essa or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> pensamentos da observação que fez, alguns<br />
dias <strong>de</strong>pois do fato, que Paulino não <strong>de</strong>ixara nenhuma prova <strong>de</strong> que houvesse<br />
pensado nela nas últimas horas <strong>de</strong> sua vida — nem uma lembrança. nem uma<br />
palavra!<br />
Não tinha ele escrito na sua <strong>de</strong>claração <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira, momentos antes <strong>de</strong><br />
matar-se: "Meu último pensamento é para minha irmã, meu irmão e meu amigo<br />
Fernando Gomes?" Por que não para ela também? Que tinha que o dissesse?<br />
Excluiu-a, esquecera-a...<br />
É tão complexo e tão sutil o amor-próprio feminino! A mulher por quem um<br />
homem se mata sentirá sua morte tanto mais profundamente quanto mais<br />
convencida estiver <strong>de</strong> que foi realmente por amá-la que o infeliz se matou: não<br />
porque sinta remorsos ou sinceramente lamente a perda <strong>de</strong> um coração que lhe era<br />
tão <strong>de</strong>dicado: mas porque aquele suicídio era a homenagem mais elevada, mais<br />
preciosa, a última que ele po<strong>de</strong>ria prestar a sua beleza, à sua graça, aos seus<br />
encantos. E a dor que ela sente não é mais que a gratidão da sua vaida<strong>de</strong>. E essa<br />
mulher chora, consterna-se, <strong>de</strong>sfalece <strong>de</strong> mágoa... convencida <strong>de</strong> que amava<br />
aquele homem mais do que o julgava ou não sabendo que o amava. Passem os<br />
dias, e com eles as lágrimas e o dó... e essa mulher não se lembrará sem um íntimo<br />
gozo finíssimo que houve um homem que se suicidou por amá-la, por não po<strong>de</strong>r<br />
possuí-la, por julgar-se <strong>de</strong>sprezado por ela. A uma — é verda<strong>de</strong> que atriz — já ouvi<br />
gabar-se — oh, sim: gabar-se! — <strong>de</strong> ter sido a causa <strong>de</strong> três suicídios!<br />
Corina, <strong>de</strong>speitada com o morto por haver partido <strong>de</strong> junto <strong>de</strong>la, primeiro, e<br />
do mundo, em seguida, sem lhe <strong>de</strong>ixar uma palavra escrita, uma lembrança, um<br />
a<strong>de</strong>us, uma prova <strong>de</strong> que ela ocupava o seu pensamento nos últimos momentos <strong>de</strong><br />
sua vida, começou <strong>de</strong>screr que houvesse sido ela a causa do suicídio até<br />
convencer-se <strong>de</strong> que a verda<strong>de</strong>ira causa fora <strong>de</strong>sarranjo mental <strong>de</strong> Paulino, que<br />
sempre fora tido na conta <strong>de</strong> esquisitão, <strong>de</strong> tipo singular. Essa opinião também era a<br />
do marido, que lha sugestionara em parte: o qual não podia ter outra, não<br />
encontrando para um ato tão imprevisto e <strong>de</strong>sarrazoado outra explicação senão a<br />
loucura.<br />
Acresce que Santinha também dizia pensar <strong>de</strong>sse modo embora a principio<br />
mostrasse acreditar que fora o amor do médico pela amiga a causa do suicídio. A<br />
verda<strong>de</strong> é que ela o acreditou sempre: mas <strong>de</strong>sejosa <strong>de</strong> distrai-la, <strong>de</strong> vê-la<br />
93