Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
www.nead.unama.br<br />
Só passava em casa os domingos e dias feriados, e bem aborridamente,<br />
valha a verda<strong>de</strong>. Faltava-lhe o seu meio cotidiano, vário, agitado, picante <strong>de</strong> vício. A<br />
própria companhia da mulher, sempre formosa, e que ele amava como dantes,<br />
entediava-o também. Enchia essas tar<strong>de</strong>s mornas e longas, dando com ela estirados<br />
passeios pelo seu arrabal<strong>de</strong>, em roupas leves, boné e bengalinha, ou charutando<br />
entre bocejos mal contidos, estendido numa espreguiça<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> vime das Ilhas, no<br />
jardim, enquanto a mulher <strong>de</strong>dilhava melancolicamente no seu Pleyel.<br />
Quando o casal Viriato vinha jantar, o que era freqüente, passavam mais<br />
agradavelmente esses dias <strong>de</strong> inútil <strong>de</strong>scanso. Os dois casais jogavam o pôquer<br />
renhidamente antes do jantar e à noite até 11 ou 12 horas.<br />
Foi num <strong>de</strong>sses dias que Hugo da Rosa, que já era amante <strong>de</strong> Corina <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
três meses, visitando-a quase todas as noites, se introduziu oficialmente no mènage.<br />
Fernando já o conhecia do clube, que ele freqüentava ultimamente com bastante<br />
assiduida<strong>de</strong>. O Lovelace era cauteloso: antes <strong>de</strong> ir ocupar o lugar <strong>de</strong> Fernando no<br />
leito conjugal ia verificar se ele passaria a noite fora <strong>de</strong> casa. Fizera-se seu íntimo a<br />
ponto <strong>de</strong> atuarem-se; levava-o a patuscadas, apresentava-o a cocotes.<br />
Tivera Hugo a engenhosa idéia <strong>de</strong> fazê-lo embeiçar-se — para falar a gíria<br />
<strong>de</strong>sses senhores — por uma atriz <strong>de</strong> opereta, pequenina e nariguda, mas petulante,<br />
viva, bem feitinha: a Bianchini. Está claro que havia sido amante <strong>de</strong> Hugo, que o era<br />
ainda um pouco, porque esses homens não rompem nunca com as suas amantes;<br />
gozam-nas, exploram-nas, maltratam-nas, abandonam-nas: mas, se novamente se<br />
encontram, é como se nada houvesse ocorrido: elas recebem-nos <strong>de</strong> novo a sua<br />
alcova, a sua mesa, senão com alegria, muitas vezes sem <strong>de</strong>sagrado. Àquele<br />
sucedia isso freqüentemente. Estava na rua do Ouvidor, no seu grupozinho bem<br />
conhecido, porta do Cailtau ou do Braço <strong>de</strong> Ouro, quando passava uma das suas<br />
antigas vítimas...<br />
— Olhem a Rita Mineira! Bravos! Mas está ainda bem boa!<br />
E ia logo abordá-la; e era certo passar com ela a noite. E que elas sabem o<br />
que eles valem; que quando estão a tinir eles têm sempre um amigo apatacado para<br />
apresentar-lhes, ou um expediente seguro a aconselhar.<br />
A atrizita, italiana <strong>de</strong> origem, apesar do muito que <strong>de</strong>le sofrera, durante o seu<br />
curto colíage, não conseguira odiá-lo e, quando o capricho, mor<strong>de</strong>ndo-o, o levava <strong>de</strong><br />
novo para ela não lhe vedava a porta <strong>de</strong> casa, se o amante fixo não estava, é claro,<br />
porque o Lopes, o cômico mais <strong>de</strong>sengraçado dos dois hemisférios, não era para<br />
graças e tinha a mão pesada.<br />
Hugo levou uma noite Fernando aos bastidores do Lucinda e apresentou-o a<br />
Bianchini, a quem Fernando enviava há uns <strong>de</strong>z dias, em todos os espetáculos,<br />
como preparativo, um belo ramo <strong>de</strong> violetas, acompanhado do seu cartão <strong>de</strong> visita, o<br />
que já havia rendido à pobre rapariga meia dúzia <strong>de</strong> bofetadas do seu Lopes terrível.<br />
Bianchini, já preparada também por Hugo, acolheu-o animadoramente; mas foi-lhe<br />
logo dizendo — antes que o seu homem viesse da cena, on<strong>de</strong> fazia rir a estalar a<br />
rapaziada das torrinhas, — que não a procurasse ali, mas em casa, <strong>de</strong>pois do<br />
espetáculo: a noite, sim; <strong>de</strong> dia, nunca! É que o Lopes tinha mulher e filhos e, em<br />
meio da sua vida <strong>de</strong> <strong>de</strong>sregramentos, cultivava a singular virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> não dormir<br />
nunca fora <strong>de</strong> casa, o que o fazia adorar da esposa e admirar dos colegas, que o<br />
proclamavam um pai <strong>de</strong> família irrepreensível.<br />
Hugo ia, pois, todas as noites ao clube verificar se Fernando lá estava e se<br />
passaria o resto da noite com a Bianchini; e <strong>de</strong>pois tomava o bon<strong>de</strong> e vinha dormir<br />
98