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Flor de Sangue - Unama

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www.nead.unama.br<br />

novamente alegre, gozando a vida amplamente, plenamente, fez sua a opinião <strong>de</strong><br />

Fernando.<br />

Três meses <strong>de</strong>pois do triste acontecimento, nenhum vestígio <strong>de</strong>le se<br />

encontrava na fisionomia, nos gestos ou no vestuário <strong>de</strong> Corina: restituíra-se à<br />

ruidosa vida dos concertos, espetáculos e bailes — aos quais nunca mais a<br />

acompanhou o esposo, completamente sucumbido à sua irremediável dor.<br />

Nos salões reencontrou Corina o seu fiel e paciente adorador barão <strong>de</strong><br />

Santa Lúcia, que teve a prudência e a discrição <strong>de</strong> não se referir aos fatos que se<br />

passaram no largo intervalo havido nas suas relações mundanas, senão <strong>de</strong> um<br />

modo tão leve e tão hábil, que bastasse a significar à moça que ela melhor houvera<br />

feito em aceitar a corte constante e tímida e o amor resignado que lhe ele oferecia<br />

<strong>de</strong> tão longa data, que em preferir-lhe Paulino.<br />

Santinha, o seu anjo mau, impelia-a para os braços do barão com a mesma<br />

risonha e calma inconsciência com que a impelira aos braços do médico. Depois<br />

Fernando, apanhado em cheio na vida infernal dos ricos que se <strong>de</strong>batem para<br />

salvar-se na corrente do crack, cada vez se <strong>de</strong>sapegava mais <strong>de</strong>la, quase não<br />

acarinhava, mal lhe falava e raro lhe sorria... E o fato consumou-se: Corina entregouse<br />

ao barão.<br />

Fidalgo <strong>de</strong> maneiras como <strong>de</strong> sentimentos, dourou-lhe e enfeitou-lhe tanto<br />

quanto pô<strong>de</strong> as vilezas do adultério, evitando a frequentação da casa <strong>de</strong> Corina e as<br />

relações com o marido e dando encanto e distinção ao ninho em que ocultavam os<br />

seus amores e que ele preparara em uma casinha <strong>de</strong> sua proprieda<strong>de</strong>, oculta nos<br />

folhetos e ramagens <strong>de</strong> um jardim, numa rua nova <strong>de</strong> arrabal<strong>de</strong> calmo. Somente<br />

neste retiro perfumoso e elegante consentia, o barão em estar com a amante.<br />

Recusou sempre ir vê-la em casa, à noite, embora ela lhe garantisse não correria<br />

nenhum risco por o marido só recolher sobre a madrugada todos os dias. Evitava<br />

mesmo encontrá-la na socieda<strong>de</strong>.<br />

Era um homem extremamente cauteloso e pru<strong>de</strong>nte, medroso mesmo,<br />

arreceando-se <strong>de</strong> tudo, tudo prevenindo, nada confiando ao acaso. O fundo <strong>de</strong> seu<br />

caráter era formado <strong>de</strong> calma e pon<strong>de</strong>ração. Metódico por índole e hábito, tinha a<br />

vida pautada como uma página <strong>de</strong> música. Registrava os mínimos atos da existência<br />

e as mais insignificantes <strong>de</strong>spesas. Era um espírito <strong>de</strong> septuagenário num corpo <strong>de</strong><br />

30 anos. Muito alto, muito magro, o olhar sereno, meio velado <strong>de</strong> melancolia, bigo<strong>de</strong><br />

escasso e negro, acentuando a pali<strong>de</strong>z do rosto sem barba, <strong>de</strong> maçãs salientes,<br />

fronte escampa, coroada <strong>de</strong> cabelos pretos, lisos e longos, <strong>de</strong> que vinham alguns<br />

cair sobre ela com um ar triste <strong>de</strong> ramos <strong>de</strong> salgueiro. Falava pouco, em murmúrio,<br />

com uma voz melodiosa, e uma precisão notável <strong>de</strong> locução; cada palavra tinha um<br />

papel distinto na frase e era insubstituível. Só dizia o que queria, quando queria e<br />

como queria.<br />

Órfão, rico, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong>sambicioso, partindo em largas viagens à<br />

Europa, à Ásia, à América, quando o tédio o empolgava, fora sempre levado pelo<br />

seu egoísmo, <strong>de</strong>licado na forma e feroz no fundo, a repugnar o casamento — esse<br />

"egoísmo a dois" sem a felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nenhum — e, por isso, resistindo a verda<strong>de</strong>iros<br />

assédios <strong>de</strong> famílias que sonhavam atraí-lo a seu seio e a senhoritas das mais<br />

lindas e das mais prendadas do nosso high-life conservara-se o barão<br />

obstinadamente solteiro.<br />

Des<strong>de</strong> a primeira vez que viu Corina sentiu-se vivamente impressionado; da<br />

terceira <strong>de</strong>sejava-a, ar<strong>de</strong>ntemente. Acompanhou-a <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então através <strong>de</strong> todas as<br />

festas, públicas e particulares, fazendo-lhe uma corte assídua, mas tão respeitosa<br />

que Fernando, tendo-a percebido e vigiado <strong>de</strong> perto, nada pô<strong>de</strong> fazer para acabar<br />

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