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Flor de Sangue - Unama

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www.nead.unama.br<br />

— ignorante do crime que podia ter produzido aquela con<strong>de</strong>nação... E, na<br />

imobilida<strong>de</strong> em que se conservava, sentia impulsos violentos na vonta<strong>de</strong> para<br />

arrebatar nos braços aquela bela criatura dormente e ir gozá-la muito longe, num<br />

recanto obscuro e não sabido, saciando assim a sua fome instante <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong>.<br />

Mas... Fernando? Que louco, e que miserável era!<br />

Desejar a mulher do seu melhor amigo, <strong>de</strong> que lhe fora como pai! Não; não<br />

<strong>de</strong>via cobiçá-la... mas que importava cobiçá-la, uma vez que lho não dissesse, que<br />

resistisse sempre, estoicamente, com o coração estraçalhado, a esse <strong>de</strong>sejo<br />

inconfessável?<br />

Que martírio o seu! Quantas vezes resolvera e tentara inutilmente fugir-lhe!<br />

Como que havia um secreto espírito maligno, dir-se-ia um <strong>de</strong>mônio escarninho e<br />

implacável, a frustrar todos os seus planos <strong>de</strong> salvação, a <strong>de</strong>struir-lhe todas as<br />

armas <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, a preparar-lhe lentamente a queda inevitável!<br />

E enquanto o amor lhe trabalhava o espírito, a morte trabalhava o corpo do<br />

conselheiro, entorpecido <strong>de</strong> coma, com a triste cabeça hirsuta e pálida <strong>de</strong> asceta,<br />

apagando-se nas sombras do quarto.<br />

Uma noite, Paulino e Corina velavam no canapé, um ao lado do outro,<br />

conversando baixo. Mas o cansaço foi vencendo a moça; o corpo <strong>de</strong>caiu-lhe para o<br />

lado do médico, a cabeça apoiou-se-lhe ao ombro, as mãos tombaram no regaço;<br />

adormeceu. Paulino sentiu um frêmito profundo <strong>de</strong> volúpia correr-lhe todo o corpo,<br />

nervo a nervo; mas o busto <strong>de</strong> Corina, mal apoiado, inclinou-se, <strong>de</strong>slizou para os<br />

seus joelhos; cingiu-o nos braços, acomodou no colo, com uma almofadinha, a<br />

cabeça adorada e, trêmulo, ar<strong>de</strong>nte, a boca seca, alucinado <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejos lúbricos,<br />

ficou imóvel, contemplado-lhe o sono, <strong>de</strong>vorando-lhe com os olhos ansiosos a boca<br />

entreaberta e a curva <strong>de</strong> um dos seios brancos e redondos, que o roupão,<br />

<strong>de</strong>sabotoado em uma casa, <strong>de</strong>ixava entrever.<br />

Se alguém os visse, se alguém os surpreen<strong>de</strong>sse?... Mas não...<br />

A mulher do conselheiro dormia ruidosamente no gabinete <strong>de</strong> toalete, ao<br />

lado, prostrada <strong>de</strong> fadiga. Um momento houve em que Paulino não se pô<strong>de</strong> conter;<br />

levou <strong>de</strong>licadamente a mão trêmula ao roupão branco, soltou outro botão, e afastou<br />

o estofo. O seio, entrevisto antes, apareceu todo nu e uma parte do outro... dois<br />

globos claros, pequenos, firmes... quase virginais! E <strong>de</strong>les subia, como um incenso,<br />

um cheiro suavíssimo <strong>de</strong> carne amorosa.<br />

Paulino tinha a cabeça baixa e as mãos abertas no ar, num <strong>de</strong>sejo febril <strong>de</strong><br />

beijar, <strong>de</strong> apalpar, <strong>de</strong> sentir nos lábios e nas mãos o calor e a maciez daqueles seios<br />

lindos, daquela pele moça, cheirosa e branca... Por fim, não pô<strong>de</strong> conter-se, afastou<br />

as mãos com esforço, como se lhe custasse a dominá-las, e, abaixando a cabeça<br />

sobre o rosto da moça, beijou-a na boca.<br />

Ela estremeceu, <strong>de</strong>spertou sobressaltada e, vendo fitos sobre seus olhos e<br />

entreabertos sobre seus lábios os olhos e os lábios <strong>de</strong> Paulino, cingiu-lhe o pescoço<br />

com os braços, atraiu-lhe a cabeça e, estreitando-se toda ao busto <strong>de</strong>le, colou-lhe a<br />

boca à boca num beijo quente, fundo, <strong>de</strong>morado, num beijo <strong>de</strong> perdição.<br />

Mas o conselheiro gemeu e remexeu-se na cama; parecia pedir alguma<br />

coisa. Paulino e Corina ergueram-se imediatamente e correram a acudir-lhe.<br />

Dia a dia os sofrimentos do infeliz tornaram-se mais atrozes. A agonia foi<br />

interminável, consternadora; a circulação foi se embaraçando e entorpecendo hora a<br />

hora, lentamente o sangue ia se coagulando nas veias à proporção que a força<br />

valvular do coração ia diminuindo, e a dispnéia e a sufocação cresciam<br />

horrivelmente.<br />

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