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com a mulher do amigo, calmo e <strong>de</strong>spreocupado como se fosse ele o marido.<br />
Maurícia, a confi<strong>de</strong>nte incorruptível, a serva fi<strong>de</strong>líssima, era quem o introduzia a<br />
<strong>de</strong>soras e fazia sair, pela madrugada, com mil cautelas, que a própria ama não<br />
conhecia. Mas o experimentado Hugo sentiu a necessida<strong>de</strong>, imposta pela prudência,<br />
<strong>de</strong> freqüentar ostensivamente a casa; o diabo era que Fernando, <strong>de</strong>sabituado<br />
completamente <strong>de</strong> receber e fazer visitas, não se lembrava <strong>de</strong> convidá-lo. Mas<br />
soldado velho não se aperta", diz o ditado. Hugo, por uma sábia combinação <strong>de</strong><br />
ingenuida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>sfaçatez, que lhe dava um ar encantador, disse um dia a Fernando:<br />
— Homem, você ainda não me apresentou a sua senhora! Nem mesmo<br />
outro dia no camarote do Lucinda, no benefício da Bianchini, o que me encalistrou<br />
<strong>de</strong>veras....<br />
Fernando ficou vexado, confessou o <strong>de</strong>scuido, pediu muitas <strong>de</strong>sculpas e<br />
acabou por convidá-lo a jantar no próximo domingo. Foi um encanto; o rapagão<br />
encheu a tar<strong>de</strong> e a noite contando anedotas, recitando poesias, cantando fados ao<br />
piano, fazendo sortes e passes <strong>de</strong> cartas, dizendo galanteios as senhoras,<br />
principalmente a Santinha, para <strong>de</strong>sorientar Fernando. Ficou <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então comensal<br />
certo aos domingos.<br />
A fonte em que hauria recursos para manter-se e ao seu luxo <strong>de</strong> mau tom<br />
era um mistério, mesmo para os que o conheciam <strong>de</strong> perto, porque Hugo da Rosa,<br />
confirmando-o velho prolóquio, era <strong>de</strong> uma infelicida<strong>de</strong> inclemente ao jogo, qualquer<br />
que ele fosse: roleta, trinta quarenta, dados, lasca, pôquer... perdia sempre.<br />
Desempregado <strong>de</strong> há muito, inteiramente no vago, sem fortuna pessoal e sem sorte<br />
ao jogo, tratava-se, entretanto, como um grand seigneur, gastando a larga,<br />
passando a tripa forra, não olhando a dinheiro.<br />
Tais mistérios dificilmente se <strong>de</strong>scobrem ou se explicam limpidamente. O<br />
que se po<strong>de</strong> afirmar é que a chave <strong>de</strong>les é a infâmia. Esses homens, aparentemente<br />
frívolos e inofensivos, são impenetráveis por mal dos outros: <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong>ssa camada<br />
leve e brilhante <strong>de</strong> mundanismo perfumado, <strong>de</strong> ociosida<strong>de</strong> egoísta, <strong>de</strong> vícios<br />
elegantes, há uma outra — dura, séria, pétrea,, formada da textura compacta <strong>de</strong> mil<br />
complicados expedientes <strong>de</strong> mentira, <strong>de</strong> canalhice, <strong>de</strong> calote, <strong>de</strong> furto.<br />
É uma vida trabalhosa e arriscada a <strong>de</strong>sses cavalheiros... <strong>de</strong> indústria.<br />
Virem, como aranhas douradas e peçonhentas, envolvidos em uma teia <strong>de</strong>licada e<br />
complicadíssima, que tecem continuamente, em que caçam os papalvos e os<br />
confiantes, obrigados a refazer sem <strong>de</strong>mora as malhas que se partem, ameaçados<br />
<strong>de</strong> afogar-se nos próprios fios. Prometem daqui, pe<strong>de</strong>m dali, enganam dacolá; a uns<br />
ameaçam, a outros suplicam; Ora arrotam contos <strong>de</strong> réis, e projetam empresas <strong>de</strong><br />
fabulosos proventos, ora confessam uma quebra<strong>de</strong>ira absoluta, segundo tencionam<br />
apanhar capitais grossos ou apenas mor<strong>de</strong>r alguém em uma <strong>de</strong> X. Mas essa<br />
entrosagem, complexa como o maquinismo <strong>de</strong> um relógio, só po<strong>de</strong> funcionar oculta,<br />
secretamente. E nisso consiste o maior trabalho e a mais séria dificulda<strong>de</strong>. É preciso<br />
impossibilitar as vítimas <strong>de</strong> gritar e <strong>de</strong>nunciar; não <strong>de</strong>ixar vestígios; não ter<br />
cúmplices; não cair, em suma, nas garras da polícia, sob a alçada da junta<br />
correcional. E, para consegui-lo, esses <strong>de</strong>sgraçados — sim, que o crime é o maior<br />
dos infortúnios! — trabalham tanto como um cavador ou como um banqueiro; e que<br />
trabalho! O da mentira, da intriga, da dissimulação, do dolo; o único trabalho que não<br />
alegra nem rubora, o único que não dá orgulho nem consolo.<br />
Assombra ver como esses meliantes conseguem equilibrar-se por tão longo<br />
tempo no alto <strong>de</strong>ssa pirâmi<strong>de</strong> fragílima e tão perigosa <strong>de</strong> tratantadas <strong>de</strong> toda<br />
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