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Assim <strong>de</strong>correram três meses.<br />
Uma noite, Paulino voltando do Lírico on<strong>de</strong> fora com Fernando e a mulher<br />
ouvir a velha Força do Destino, e tendo-se <strong>de</strong>spedido <strong>de</strong>les junto da escada que<br />
levava à sala <strong>de</strong> jantar, subiu para o belve<strong>de</strong>re e fez a sua toalete <strong>de</strong> dormir; mas,<br />
como não tivesse absolutamente sono, acen<strong>de</strong>u um charuto e veio <strong>de</strong>bruçar-se a<br />
uma das janelas.<br />
Noite encantada. O plenilúnio opalino, <strong>de</strong> uma transparência e suavida<strong>de</strong><br />
dulcíssimas, banhava tudo, inundava o céu e a terra; envolvia as copas unidas das<br />
árvores, montes abaixo, num véu tenuíssimo <strong>de</strong> bruma luminosa e fazia-as projetar<br />
sombras fantásticas no chão.<br />
O golpe <strong>de</strong> vista era imponente; abrangia todo o vale da Tijuca e Andaraí.<br />
Longe, muito longe, num formigueiro <strong>de</strong> pontos tremeluzentes, a cida<strong>de</strong> adormecida;<br />
umas filas <strong>de</strong>les <strong>de</strong>stacavam retas, muito longas, algumas paralelas, outras<br />
cortando-se — eram os lampiões das ruas.<br />
Um tilintar <strong>de</strong> campainha ouviu-se; era o bon<strong>de</strong> que os trouxera, que voltava<br />
para a cida<strong>de</strong>: lá passou ele, muito embaixo, ao fundo, rua Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Bonfim afora,<br />
como uma rubra lagarta fosforescente.<br />
Era uma noite cariciosa <strong>de</strong> outubro — nem quente nem fria, apenas tépida,<br />
cheia <strong>de</strong> mistérios, em que se ouviam no silêncio augusto do luar os leves rumores<br />
da natureza no seu trabalho incessante, e um amavio lânguido e po<strong>de</strong>roso<br />
avassalava as almas, romantizando-as docemente.<br />
Paulino, só, no alto do seu mirante, em face da profunda noite luminosa,<br />
sentiu-se, subjetivando-se a pesar seu, penetrado <strong>de</strong> uma melancolia inquieta e<br />
grave, como um pressentimento. Era o mesmo estado <strong>de</strong> alma em que se<br />
surpreen<strong>de</strong>ra na noite da festa da sua chegada, mas muito agravado; o que era<br />
então lineamento era agora traço, o que então era névoa fizera-se nuvem. Até<br />
aquele momento fora protelando covar<strong>de</strong>mente o exame, a análise severa do seu<br />
estado psicológico, que ele sentia agravar-se progressivamente, Mas a intuição<br />
súbita e clara da sua gravida<strong>de</strong> <strong>de</strong>cidiu-o a fazê-la naquela noite perturbadora. "Que<br />
tenho eu? Que se passa em mim? Amo eu porventura Corina? E quando nasceu em<br />
mim este sentimento <strong>de</strong>sgraçado? Mas será mesmo amor?"<br />
Estas interrogações formaram-se-lhe atropeladamente no cérebro. Não<br />
sabendo a qual respon<strong>de</strong>r primeiro, socorreu-se à memória e procurou recordar as<br />
primeiras impressões que lhe causara Corina.<br />
Lembrava-se bem.<br />
Morava com Fernando, seu amigo, seu protetor <strong>de</strong>dicado e <strong>de</strong>licado.<br />
Absorvido e ocupado inteiramente pela confecção da sua tese inaugural e <strong>de</strong>pois<br />
com a revisão das provas e preparo dos exames finais, não acompanhava senão<br />
mui raramente o amigo nos seus passeios e divertimentos.<br />
Um dia, voltando aquele <strong>de</strong> um baile, alta madrugada, e encontrando-o<br />
ainda curvado sobre os livros, confessou-lhe Fernando que estava apaixonado, mas<br />
apaixonado como Romeu por Julieta ou Paulo por Francesca di Rimini, e <strong>de</strong>claroulhe<br />
que <strong>de</strong>cididamente ia casar.<br />
Era Corina, a afilhada do conselheiro Prestes, a mulher que ele amava e<br />
queria <strong>de</strong>sposar. Não lhe pediu conselho; fez confidências.<br />
Em breve estabeleceu-se correspondência entre ela e ele, trocaram-se os<br />
retratos. Fernando mostrou-lhe o <strong>de</strong>la: era formosíssima.<br />
Fez um esforço violento da memória para recordar a impressão que lhe<br />
<strong>de</strong>ixara o retrato <strong>de</strong> Corina, e lembrou-se: fora muito forte, mas rápida, logo<br />
apagada.<br />
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