15.04.2013 Views

Flor de Sangue - Unama

Flor de Sangue - Unama

Flor de Sangue - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

www.nead.unama.br<br />

— Veio espiar-me, diga antes. E, por conta <strong>de</strong> quem <strong>de</strong>sempenha esse<br />

bonito papel? Por conta própria ou alheia?<br />

Paulino, que não esperava semelhante réplica nem semelhante tom,<br />

empali<strong>de</strong>ceu e tartamu<strong>de</strong>ou, o que permitiu à mulher <strong>de</strong> Fernando assenhorear-se<br />

da situação, tomando um partido.<br />

— Ouça-me, dona Sinhá. Não po<strong>de</strong> duvidar do meu afeto... fraternal e sabe<br />

quanto sou <strong>de</strong>dicado a seu marido. Permita-me, pois, em nome <strong>de</strong>sse afeto e <strong>de</strong>ssa<br />

<strong>de</strong>dicação, dar-lhe um conselho.<br />

— Pois não, fale; reservou-me apenas o direito <strong>de</strong> dispensar o conselho,<br />

agra<strong>de</strong>cendo-o ao conselheiro, se aquele me <strong>de</strong>sagradar...<br />

— Fará o que enten<strong>de</strong>r, Corina. Eu cumpro o meu <strong>de</strong>ver.<br />

— Mas venha o conselho — volveu Corina, impaciente.<br />

— É simples: olhe para o abismo que se lhe abre aos pés. Salve a sua honra<br />

e a <strong>de</strong> seu marido, se ainda é tempo.<br />

Corina, cujas faces ficaram cor <strong>de</strong> lacre, fixou sobre ele um olhar <strong>de</strong> fogo,<br />

em que ardia toda a indignação <strong>de</strong> um amor-próprio brutalmente ofendido, e<br />

respon<strong>de</strong>u seca e pausadamente:<br />

— Não lhe reconheço autorida<strong>de</strong> para semelhante recomendação, que é um<br />

insulto. A ação que acaba <strong>de</strong> praticar só um sentimento a po<strong>de</strong>ria justificar — o<br />

ciúme; mas eu ainda o não autorizei a mostrar ciúmes <strong>de</strong> mim. A<strong>de</strong>us.<br />

E caminhou, firme, ligeira, altiva, <strong>de</strong>ixando o médico na calçada, enfiado,<br />

corrido, imóvel.<br />

Só passados alguns momentos, foi que ele compreen<strong>de</strong>u a gran<strong>de</strong> asneira<br />

que havia feito.<br />

"Sou um idiota. Um cretino não teria agido mais <strong>de</strong>sastradamente. Como foi<br />

que não vi o ridículo a que ia expor-me, mostrando a Corina que a espionava e,<br />

sobretudo, dando-lhe um conselho daquela or<strong>de</strong>m, sem nenhum título que me<br />

autorizasse a tanto? Mas o que acabo <strong>de</strong> fazer é positivamente uma <strong>de</strong>claração <strong>de</strong><br />

amor! Só o ciúme justificaria semelhante brutalida<strong>de</strong>, como ela bem disse."<br />

Assim pensava Paulino.<br />

Assim pensava também Corina, tomando o cupê e mandando tocar para a<br />

casa <strong>de</strong> Santinha. Aquilo fora uma <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> amor e a mais eloqüente que ele<br />

podia fazer-lhe. E, passado o sentimento espontâneo e natural <strong>de</strong> indignação que<br />

lhe produziram as palavras <strong>de</strong>sastradas <strong>de</strong> Paulino, Corina sorria, contente,<br />

satisfeitíssima. Ia triunfar, ia finalmente vencer aquela resistência tenaz e satisfazer<br />

o seu ar<strong>de</strong>nte capricho, que ela chamava "amor", acreditando-se profundamente<br />

apaixonada por ele.<br />

Com que açodamento feliz foi contar à sua preciosa amiga o inci<strong>de</strong>nte! Foi<br />

encontrá-la <strong>de</strong> cama prostrada por uma enxaqueca furiosa, felizmente acalmada um<br />

pouco quando chegou Corina, e contrariadíssima por ter feito esperar em vão por ela<br />

o seu Zanetto querido — chamava-lhe Zanetto romanticamente: era uma<br />

reminiscência da leitura <strong>de</strong> Le Passant, dê Coppée.<br />

51

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!