15.04.2013 Views

Flor de Sangue - Unama

Flor de Sangue - Unama

Flor de Sangue - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

www.nead.unama.br<br />

Ela sorriu, reparando nas feições daquele <strong>de</strong>sconhecido que lhe falava tão<br />

docemente, bem impressionada por elas. E disse, com uma voz um tanto pastosa:<br />

— Foi você que dormiu comigo?<br />

— Fui eu, sim.<br />

— Ué! Como é que eu não senti nada?<br />

Paulino sorriu, mas, em vez <strong>de</strong> explicar-lhe o fato, disse-lhe, tomando-lhe<br />

uma das mãos, que pendia da cama:<br />

— Diga-me: po<strong>de</strong> acreditar que um homem <strong>de</strong>sconhecido, que a vê pela<br />

primeira vez, possa <strong>de</strong>sejar sinceramente, sem interesse, fazer-lhe um gran<strong>de</strong><br />

beneficio? — Ela arregalou os belos olhos, gran<strong>de</strong>s e negros, num espanto; mas<br />

acudiu logo:<br />

— Acredito, sim; por que não? Ainda há gente boa no mundo...<br />

— Tanto melhor — volveu Paulino. — Agora, conversemos. Desejo salvá-la<br />

do lameiro em que vai afogar-se. Mas conte-me antes a sua história, sem omitir<br />

nada, sem mentir, como se eu a confessasse.<br />

— Conto, sim se seu doutor quer saber ela, eu conto. E olhe que eu não sei<br />

mentir. Mentira é uma coisa tão feia! O pior é que eu não sei falar direito.<br />

— Fale como pu<strong>de</strong>r; que eu a ajudarei. Bastará que me responda o que eu<br />

lhe perguntar. É casada?<br />

— Sim senhor. Me casei vai fazer um ano, com um home muito mau, <strong>de</strong><br />

quem eu não gostava. Eu queria casar era com primo Juca, isso sim. Mas papai não<br />

quis; perferio seu Zidóro, que tinha negócio <strong>de</strong> criação no mercado. Que havera eu<br />

<strong>de</strong> fazer? Casei mesmo. Papai morreu alguns meses <strong>de</strong>pois. Seu Zidóro me<br />

maltratava, me obrigava a fazer serviços superiores às minhas forças. Depois pegou<br />

a beber e quando estava nelas me espancava. Até que uma noite fugi pra casa <strong>de</strong><br />

mamãe.<br />

— E ele não foi lá buscá-la?<br />

— Quais o que! O que ele queria era ver-se livre <strong>de</strong> mim. Pois se já tinha<br />

amigação tratada com a Maricota Cocada, uma mulata gorda, doceira, também do<br />

mercado! Eu fiquei morando com mamãe e ajudando ela. Mas, coitadinha, está<br />

quase entrevada do reumatismo; tem dias que nem po<strong>de</strong> se mexer. Eu quis<br />

trabalhar, mas meu trabalho não chegava para tanta coisa, para cozinhar e lavar<br />

para nós e ainda coser para fora. Eu, só com minhas tristes mãos não podia, não é?<br />

— perguntou ela, com um tom ingênuo e sincero, como buscando justificar-se<br />

previamente.<br />

— Decerto — fez Paulino. — E, <strong>de</strong>pois que suce<strong>de</strong>u?<br />

— Depois... esta mulher daqui, dona Felisberta, que me conhecia do<br />

mercado, por ser freguesa <strong>de</strong> meu marido, tendo sabido que eu fugira, começou a<br />

freqüentar nossa casa, a nos fazer presentes, a nos dar gêneros, muito<br />

obsequia<strong>de</strong>ira. Até que se explicou. Me convidou para ir um dia à casa <strong>de</strong>la: que ia<br />

lá um moço que me conhecia <strong>de</strong> vista e me estimava muito e que ele queria se<br />

amigar comigo. Eu contei a mamãe. Esta, no princípio, me aconselhou que não, que<br />

não... Depois, como dona Felisberta já não dava mais nada pra nós e a fome ia<br />

chegando, mamãe, um dia, me disse que não era mau eu vir até cá ver o moço. Se<br />

servisse... E eu disse, então, a dona Felisberta isso mesmo. Ela ficou muito contente<br />

e <strong>de</strong>u-nos <strong>de</strong> tudo: farinha, carne-seca, feijão... E disse pra mim que uma noite iria<br />

me buscar. E eu fiquei esperando ela.<br />

84

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!