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Flor de Sangue - Unama

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www.nead.unama.br<br />

sungou as ceroulas imundas e foi urinar na bacia do esgoto que estava ao canto<br />

esquerdo, <strong>de</strong>scoberta, e da qual os presos se serviam uns à vista dos outros, num<br />

impudor ignóbil e numa imundícia sórdida. Na volta abaixou-se junto da cama <strong>de</strong><br />

Fernando, apanhou rapidamente alguns cigarros e voltou para a sua, on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>itou<br />

novamente.<br />

Neste momento ouviu-se fora um toque <strong>de</strong> clarim, um brado rouco, perdido<br />

na distância, e os passos e trincolejos do chaveiro, no corredor <strong>de</strong> pedra que<br />

separava as duas filas <strong>de</strong> cubículos, <strong>de</strong> 20 cada uma. Uma voz elevou-se e entrou a<br />

berrar obscenida<strong>de</strong>s. Imediatamente troou o vozeirão do Meireles ameaçando o<br />

<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>iro com a escura e uma dose <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira.<br />

Nesse momento apagou-se o gás do corredor. Ouviam-se, bocejos,<br />

suspiros, ventosida<strong>de</strong>s, risadas cínicas, palavrões mastigados, sonidos <strong>de</strong> ferros.<br />

O ar, quase irrespirável, era um misto <strong>de</strong> exalações nauseantes <strong>de</strong> fumo, <strong>de</strong><br />

fezes, <strong>de</strong> suor, <strong>de</strong> mofo... Macaroni recomeçara a roncar, quando Maricas e Pulso<br />

<strong>de</strong> Ferro, que haviam <strong>de</strong>spertado ao mesmo tempo, trocavam as saudações<br />

matinais.<br />

— Bom dia, seu Jerônimo — disse aquele.<br />

— Muito bons dias, sr. Pinheirinho — respon<strong>de</strong>u o português. Então como<br />

passou a noite?<br />

— Pessimamente. O calor era tanto que me pus nu e o resultado foi rolar da<br />

cama e vir acabar <strong>de</strong> dormir no chão, com o corpo sobre estas tábuas imundas. Vou<br />

ensaboar-me hoje com dobrada força. Esta vida dá cabo <strong>de</strong> mim. Nunca imaginei<br />

que se sofresse tanto em uma prisão.<br />

— E ainda nós estamos no cubículo dos avastados. Imagine o que irá por aí<br />

além, pelos que o não são! Nossa Senhora! Com licença.<br />

E foi urinar na bacia.<br />

Maricas havia vestido um chambre e fora esperar na porta a passagem do<br />

chaveiro, a fim <strong>de</strong> lhe pedir licença para ir ao banho.<br />

Ouviu-se então uma gritaria cortada <strong>de</strong> risos agudos, casquinados, que<br />

parecia virem do andar superior.<br />

— Lá está o doido a gritar. Começa cedo hoje — disse o Barbas <strong>de</strong> Arame,<br />

que acordara com o alarido. Pepinos! É uma patifaria admitirem malucos nestas<br />

casas. Isto aqui não é hospício <strong>de</strong> alienados! — acrescentou, impetuoso, com voz<br />

cavernosa, e entreou logo a tossir aflitamente, como se o peito lhe estalasse ao<br />

esforço; oito horas só havia no cubículo Macaroni, Barbas <strong>de</strong> Arame e Fernando.<br />

Maricas fora para o banho, em chinelas, munido <strong>de</strong> pente, esponja e sabão, e Pulso<br />

<strong>de</strong> Ferro, que graças à simpatia que <strong>de</strong>spertara a sua <strong>de</strong>fesa corajosa e ao respeito<br />

que impunha a sua força hercúlea, gozava <strong>de</strong> certas regalias excepcionais, fora dar<br />

o seu passeio habitual no magro e triste jardim da prisão, já inundado <strong>de</strong> sol.<br />

Barbas <strong>de</strong> Arame, que estava nu sob o lençol encardido, passeava pelo<br />

cubículo, arrastando-o, meio curvo, tossindo, com um ar <strong>de</strong> fantasma tísico.<br />

Macaroni, que acordara <strong>de</strong>finitivamente, rezava, <strong>de</strong> joelhos sobre a enxerga,<br />

com remexidos <strong>de</strong> lábios, a sua prece matinal à Madona da sua <strong>de</strong>voção, sem se<br />

preocupar com a in<strong>de</strong>corosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua toalete, que só se compunha <strong>de</strong> umas<br />

ceroulas mal abotoadas.<br />

De repente, Barbas <strong>de</strong> Arame parou junto <strong>de</strong> Fernando e disse em voz alta:<br />

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