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com ela, receoso <strong>de</strong> parecer ridículo. Des<strong>de</strong> o baile <strong>de</strong> recepção <strong>de</strong> Paulino,<br />
pressentiu e anteviu o barão o que ia acontecer entre este e a sua amada e<br />
recolheu-se à sombra, não <strong>de</strong>sejando estabelecer uma competência e uma luta que<br />
lhe repugnavam ao caráter; pôs-se <strong>de</strong> lado, arredado mas vigilante. Acompanhou<br />
assim aquele idílio que tão tragicamente <strong>de</strong>via findar. Quando viu a formosa<br />
estouvada voltar à frequentação do mundo elegante sem vestígios visíveis <strong>de</strong><br />
comoção ou tristeza e <strong>de</strong>sacompanhada do marido, julgou chegado o momento <strong>de</strong><br />
dar a batalha <strong>de</strong>cisiva e recomeçou a sua interrompida corte com dobrado ardor,<br />
quase certo da vitória. Não se iludia nos seus <strong>de</strong>sejos e nos seus planos.<br />
Durou ano e meio esse amor culpado, embora parecesse <strong>de</strong>ver eternizar-se.<br />
Esses amores acabam sempre por não terem por base a amiza<strong>de</strong> e o respeito, e<br />
acabam dissolvendo-se em ódio e rancor. Os amores, filhos do consórcio do <strong>de</strong>sejo<br />
com a ilusão, vivem, como as falenas, a vida efêmera dos pais. O que primeiro<br />
morre é o <strong>de</strong>sejo; a ilusão pouco lhe sobrevive, e ante os dois cadáveres brancos e<br />
frios, amortalhados em rosas murchas e em lírios fanados, os pobres amores<br />
arrastam-se ainda algum tempo e expiram, por fim, para ressuscitar e reviver na<br />
sauda<strong>de</strong>.<br />
Mas o que precipitou o <strong>de</strong>sfecho <strong>de</strong>ssa ligação, já <strong>de</strong> si tão frágil, foi o gênio<br />
<strong>de</strong> Lúcio — era este o nome <strong>de</strong> batismo do barão, cuja mãe era Lúcia — gênio que<br />
ninguém po<strong>de</strong>ria suspeitar sob aquela aparência imperturbável <strong>de</strong> serenida<strong>de</strong> e<br />
doçura.<br />
Lúcio, como todos os egoístas do seu quilate, era excessivamente zeloso.<br />
O ciúme assumia naquela alma solitária e cética o estado intolerável <strong>de</strong> uma<br />
dor fulgurante mas não intermitente; e o que o <strong>de</strong>sgraçado sofria era horrível. A<br />
princípio contivera-se, reprimira, ocultara o seu mal, o <strong>de</strong>mônio que lhe rola o<br />
coração; mas pouco a pouco ele foi surgindo aos olhos <strong>de</strong> Corina em toda a sua<br />
hedion<strong>de</strong>z.<br />
Ao fim <strong>de</strong> alguns meses era um inferno a vida dos dois. Lúcio ofendia-a e<br />
conspurcava-a com as suspeitas mais torpes e mais inverossímeis. Obrigava-a a<br />
dar-lhe conta <strong>de</strong> todos os seus atos; e ela nenhum podia ocultar-lhe, porque sabia<br />
que ele a seguia <strong>de</strong> longe espiando-lhos e informando-se habilmente <strong>de</strong> todos os<br />
seus passos por meios indiretos, com os amigos <strong>de</strong>le e as amigas <strong>de</strong>la; e no mais<br />
inocente encontrava motivo para fazer-lhe uma cena dolorosa ou violenta, em que<br />
se martirizava martirizando-a, cenas que estragavam todos os seus transportes <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sejo, toda a sua convivência <strong>de</strong> amantes.<br />
As vezes nem se beijavam. As duas ou três horas da entrevista eram gastas<br />
em recriminações, em disputas, acusações injuriosas <strong>de</strong> um lado, <strong>de</strong>fesa<br />
<strong>de</strong>sesperada do outro, soluços, suspiros, risos <strong>de</strong> ironia, gritos <strong>de</strong> revolta... às vezes<br />
ele reagia contra si mesmo, contra aquela anomalia fatal do seu espírito, e, por um<br />
esforço violento, recalcava as suspeitas, as queixas, as recriminações e humilhavase,<br />
rojava-se suplicante aos pés <strong>de</strong> Corina, beijava-os, lambia-os quase, como um<br />
rafeiro batido. Nesses dias eram <strong>de</strong>liciosas aquelas horas <strong>de</strong> pecado e mistério. Ele<br />
recuperava a sua doçura, ela a sua alegria. Mas era contar certo com um<br />
recru<strong>de</strong>scimento <strong>de</strong> ciúme na próxima entrevista.<br />
Uma vida intolerável para ambos. Quem primeiro cansou e começou a<br />
rebelar-se contra ela foi Corina, que não podia compreen<strong>de</strong>r com que direito aquele<br />
homem, que era apenas seu amante, a magoava e ofendia com seus ciúmes<br />
injustos e brutais, quando seu marido, que era seu marido e não um simples amante,<br />
<strong>de</strong>positava nela a maior confiança, não suspeitando <strong>de</strong>la em caso nenhum. Era<br />
<strong>de</strong>mais! Quis romper com o amante, brusca e <strong>de</strong>finitivamente, mas teve medo.<br />
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