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— Quatrocentos e cinqüenta e cinco pérolas! — gritou o crupiè, passando a<br />
Fernando quatro cartões e três pilhas <strong>de</strong> discos <strong>de</strong> madrepérola.<br />
Ele examinou a letra do sobrescrito: não a conhecia, tendo-lhe parecido<br />
feminina pelo caráter do talho. Meteu-a no bolso externo do paletó, para não<br />
interromper o jogo a lê-la, e fez nova parada.<br />
De todos os ponteiros apenas dois ou três estavam ganhando e <strong>de</strong>sses o <strong>de</strong><br />
mais sorte era o Paes, um homem baixo, gorducho, <strong>de</strong> bigo<strong>de</strong> preto, ar simpático,<br />
major da Guarda Nacional, roleteiro por gosto, hábito e profissão, que estava<br />
per<strong>de</strong>ndo havia sete ou oito semanas somas consi<strong>de</strong>ráveis, que não se sabia on<strong>de</strong><br />
achava para po<strong>de</strong>r perdê-las. Naquela noite parecia querer voltar-lhe a chance;<br />
parava nos números da primeira dúzia, cercando-os e carregando-os <strong>de</strong> todos os<br />
modos e em cada três golpes um era <strong>de</strong> número inferior a 13, o que fazia irem se<br />
avolumando os maços <strong>de</strong> cheques <strong>de</strong> 50 mil-réis diante <strong>de</strong>le. O seu lucro era<br />
calculado já em cinco contos e tanto.<br />
O barão assinalado, tendo perdido a última nota, saiu do seu lugar e veio<br />
falar baixo ao ouvido do major Paes. Este, sem interromper o trabalho <strong>de</strong> distribuir<br />
fichas e cartões, respon<strong>de</strong>u-lhe, em voz alta, sem voltar-se para ele:<br />
— Ora, seu barão! Pelo amor <strong>de</strong> Deus! Sempre o supus menos caradura!<br />
Pois o senhor tem mesmo o topete <strong>de</strong> vir pedir-me cem mil-réis emprestados, o<br />
senhor que, não há ainda um mês, negou-me 50 mil-réis em noite em que estava <strong>de</strong><br />
sorte, esquecido <strong>de</strong> que me <strong>de</strong>via, como me <strong>de</strong>ve ainda, mais <strong>de</strong> trezentos, há dois<br />
anos! Já é coragem!<br />
O barão curvou o busto ereto e elegante para falar <strong>de</strong> novo ao ouvido do<br />
major. Poucas pessoas mostravam-se impressionadas por aquela cena trivial, ao<br />
que parecia.<br />
— O senhor pensava que eu tinha esquecido... ou que, por ser o senhor<br />
barão e alta patente militar e não sei mais o que, eu me calava, fingia ter-me<br />
esquecido da sua ingratidão e do seu <strong>de</strong>saforo? Pois enganou-se. Não preciso nem<br />
tenho medo do senhor, como <strong>de</strong> ninguém; fique sabendo.<br />
— Onze! — gritou a voz pausada e grossa do conselheiro.<br />
O major Paes ganhava, só nesse golpe, 1170 fichas. O barão, imperturbado,<br />
falava-lhe novamente ao ouvido, com animação. De repente, o Paes tirou dois<br />
cartões <strong>de</strong> 50 mil-réis <strong>de</strong> um dos maços e <strong>de</strong>u-os ao barão, dizendo-lhe, com um<br />
tom duro e <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhoso:<br />
— Tome lá; leve. E para que fique sabendo que sou mais generoso e mais<br />
<strong>de</strong>licado que o senhor. Não faço caso <strong>de</strong> dinheiro; o que não admito é que me<br />
maltrate quem me <strong>de</strong>ve favores...<br />
O barão voltou logo ao seu lugar, sem agra<strong>de</strong>cer mais aquele que o major<br />
Paes acabava <strong>de</strong> fazer-lhe.<br />
Mas Fernando, como começasse a per<strong>de</strong>r forte, parou e <strong>de</strong>u as fichas a<br />
troco.<br />
Tendo-se levantado, indo tirar o lenço <strong>de</strong> seda do bolso, encontrou a carta.<br />
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