Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
www.nead.unama.br<br />
O pobre Paulino teve <strong>de</strong> dançar com todas, inclusive a mãe, que o fez<br />
prometer visitá-la muito breve.<br />
— Pobre dr. Castro! — disse-lhe Santinha tomando-lhe o braço, quando, lá<br />
para o fim da noite, ele ia refugiar-se na sala <strong>de</strong> jogo. Que tarefa e que maçada,<br />
heim? Dançar com toda família!<br />
— Muito interessantes estas meninas — respon<strong>de</strong>u ele sem convicção.<br />
— Sabe que sou íntima amiga <strong>de</strong> dona Sinhá? — perguntou ela, após uma<br />
curta pausa.<br />
— Sabia que eram amigas...<br />
— Somos íntimas, não temos segredos uma para a outra.<br />
— Folgo muito — respon<strong>de</strong>u o médico, sem saber que dizer.<br />
— No domingo próximo ela e Fernando vão jantar em nossa casa. Peço-lhe<br />
que vá também; não falte!<br />
— Não faltarei.<br />
Entraram na saleta <strong>de</strong> jogo. Em uma das mesas, Fernando, Viriato e mais<br />
dois convidados jogavam o pôquer. Havia dois pequenos divãs <strong>de</strong> marroquim. Em<br />
um <strong>de</strong>les arrulhava um casal <strong>de</strong> noivos, que ali viera refugiar-se, acossado pelo<br />
rumor e movimento das salas. Não se falavam quase; tinham as mãos enlaçadas e<br />
olhavam vagamente para os jogadores com olhos cheios <strong>de</strong> tédio e <strong>de</strong> uma ternura<br />
cansada.<br />
— Olhe, acolá, que idílio! Estão assim agarrados um ao outro <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />
princípio do baile.<br />
— Quem são?<br />
— Pois não vê? São noivos, casam-se para o mês.<br />
— Devem divertir-se muito! — disse o médico com um sorriso.<br />
— Por que não, se amam? Não crê no amor? — perguntou Santinha,<br />
sentando-se no outro divã e obrigando-o, <strong>de</strong>ssa forma a sentar-se também.<br />
Ele olhou-a com certo ar <strong>de</strong> surpresa. A apetecível trintona apresentava nos<br />
olhos quebrados, nos lábios entreabertos e na atitu<strong>de</strong> abandonada indícios<br />
evi<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> querer discutir o assunto tanto no terreno teórico quanto no prático.<br />
— Se creio no amor? — respon<strong>de</strong>u o interpelado, procurando as frases com<br />
cautela. — Sim, minha senhora, creio no amor como creio na sorte gran<strong>de</strong>: um<br />
número premiado entre milhares <strong>de</strong> números brancos.<br />
— Que ceticismo! — exclamou ela.<br />
— Que topete! — pensava ele, lembrando-se que aquela mulher estava ali a<br />
provocá-lo a dois passos do marido, todo entretido a blefar no seu pôquer.<br />
E a conversa continuou sobre o mesmo tema, muito a contragosto <strong>de</strong><br />
Paulino, que não sabia como safar-se.<br />
Felizmente, alguns minutos passados, assomou à porta a figura <strong>de</strong> Corina.<br />
Procurava, evi<strong>de</strong>ntemente, alguém, e que era o médico, mostrou-o, vindo logo a ele.<br />
Quando o viu naquele canto em colóquio íntimo com a sua amiga, uma<br />
contrarieda<strong>de</strong> carregou-lhe o semblante e fê-la mor<strong>de</strong>r levemente os lábios; mas,<br />
disfarçando logo, dirigiu-se aos dois:<br />
23