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Flor de Sangue - Unama

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www.nead.unama.br<br />

Pouco <strong>de</strong>pois, Fernando dormia tranqüilamente e Paulino recolhia-se ao seu<br />

aposento, assegurando a Corina que nenhum inci<strong>de</strong>nte havia <strong>de</strong> sobrevir. Somente<br />

<strong>de</strong> madrugada pô<strong>de</strong> o médico conciliar o sono: na escuridão, viam seus olhos<br />

ar<strong>de</strong>ntes a visão branca e rósea da sua amada entremostrando as formas<br />

peregrinas na transparência das roupagens <strong>de</strong> fino linho: e nas narinas palpitantes<br />

sentia, estonteador, o cheiro da sua carne moça e bem tratada...<br />

No dia seguinte, exigiu Fernando que o amigo o examinasse atentamente.<br />

Paulino fê-lo e viu confirmadas pelo exame as suas peitas da véspera. Fernando<br />

sofria <strong>de</strong> uma insuficiência aórtica. Não lho revelou, mas recomendou algum repouso<br />

e vida regular além <strong>de</strong> um regime brando e do uso mo<strong>de</strong>rado <strong>de</strong> uma poção<br />

calmante que receitou.<br />

O acesso não se repetiu nos dias subseqüentes; mas o temor do enfermo<br />

era tanto e tal a confiança que ganhara no médico que o salvara, que exigira <strong>de</strong>le<br />

não dormir mais na cida<strong>de</strong>; queria-o ali à noite, perto <strong>de</strong> si, e quase lhe suplicava<br />

que não o abandonasse.<br />

— Olha, Paulino, o que me está dando saú<strong>de</strong> é a certeza <strong>de</strong> que estás perto<br />

<strong>de</strong> mim... Tenho a convicção <strong>de</strong> que morreria nas mãos <strong>de</strong> outro médico. Não me<br />

abandones!<br />

Paulino teve, pois, <strong>de</strong> adiar mais uma vez, e <strong>de</strong>sta sem prazo marcado, a<br />

execução <strong>de</strong> seu plano <strong>de</strong> salvação. A vida calma outrora recomeçou, com as noites<br />

monótonas, preenchidas pelos três com partidas <strong>de</strong> solo e pôquer, o novo jogo<br />

americano que estava fazendo furor. E o banqueiro foi melhorando, a dispnéia<br />

<strong>de</strong>sapareceu, e as pancadas do coração foram-se tornando menos tumultuárias,<br />

mais rítmicas, e foi-lhe voltando também a <strong>de</strong>spreocupação, a alegria.<br />

Um mês <strong>de</strong>pois, reentrava na vida agitada <strong>de</strong> negócios e prazeres, porém<br />

mais mo<strong>de</strong>radamente, com uma certa cautela <strong>de</strong>vida às incessantes<br />

recomendações do médico. Fernando só o que exigia era encontrá-lo em casa<br />

quando voltasse às 11 horas ou meia-noite, no receio obsedante da repetição do<br />

acesso e encontrar-se novamente ao <strong>de</strong>samparo, naquela solidão. Essa quase<br />

mania <strong>de</strong> ter o amigo à mão, todas as noites, era <strong>de</strong>certo, um resultado do seu<br />

estado mórbido, da <strong>de</strong>pressão do seu sistema nervoso e, portanto, um sintoma <strong>de</strong><br />

enfermida<strong>de</strong> latente.<br />

Para satisfazer-lhe o pedido jantava o médico mais freqüentemente em casa<br />

e <strong>de</strong>ntro em pouco estava restabelecida, e mais intimamente ainda, a sua<br />

convivência com dona Sinhá. As noites eram longas; Fernando, tendo a certeza <strong>de</strong><br />

que o amigo o esperava em casa e fazia companhia à mulher, <strong>de</strong>morava-se na<br />

cida<strong>de</strong>, "nos seus malditos negócios"; não tinha pressa <strong>de</strong> voltar.<br />

Era <strong>de</strong> uma alegria comunicativa à mesa do chá, <strong>de</strong> volta da agitação<br />

rumorosa da noce, reentrando na honesta e reconfortante tranqüilida<strong>de</strong> do lar,<br />

vendo-se esperado pela esposa e pelo amigo, que consi<strong>de</strong>rava um filho adotivo,<br />

entretidos quase infantilmente, a jogar damas e xadrez ou a ler romances.<br />

Uma manhã em que os dois amigos <strong>de</strong>sceram cedo, sem almoço, para a<br />

cida<strong>de</strong>, o que da parte <strong>de</strong> Fernando era raro, disse este ao médico, no cupê,<br />

tomando um ar grave:<br />

— Sabes, Paulino, tenho que falar-te <strong>de</strong> um assunto <strong>de</strong>licado e que<br />

consi<strong>de</strong>ro <strong>de</strong> uma certa gravida<strong>de</strong>.<br />

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