Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
www.nead.unama.br<br />
— Não é isso.<br />
— Ora se é isso! E a prova é que não me respon<strong>de</strong>ste ainda a carta que, há<br />
uns bons três meses, te escrevi, abraçando-te e pedindo-te umas informações<br />
acerca do instrumental cirúrgico que eu <strong>de</strong>sejava mandar vir <strong>de</strong> Paris...<br />
— Perdoa-me, meu bom, meu excelente Julião. Tens razão <strong>de</strong> sobra. Se<br />
soubesses como tenho vivido ultimamente, o que me tem sucedido... quantas<br />
contrarieda<strong>de</strong>s... Não te zangues comigo.<br />
— Não, <strong>de</strong> certo; e a prova é que te vim ver e abraçar.<br />
— Mas, a propósito, como pu<strong>de</strong>ste saber que eu estava em São Paulo?<br />
— Muito simplesmente: pelos jornais.<br />
— Pelos jornais? Mas se eu cheguei ontem à noite e não falei com<br />
ninguém...<br />
— Vou explicar-te. Pouco <strong>de</strong>pois da chegada do comboio, os repórteres<br />
percorrem os hotéis e recolhem a lista dos hóspe<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cada um, lista que publicam<br />
no dia seguinte.<br />
— Compreendo; — e Paulino lembrou-se que havia assinado o nome no<br />
livro dos hóspe<strong>de</strong>s e dado mesmo um cartão ao criado que o trouxera ao quarto.<br />
Julião sentou-se em uma ca<strong>de</strong>ira junto à mesa. Era um rapaz <strong>de</strong> pequena<br />
estatura, compleição franzina, cabeça proporcional, membros <strong>de</strong>licados, expressão<br />
extremamente vivaz, muito insinuante. Paulino, vendo o amigo com as folhas <strong>de</strong><br />
papel ao alcance da vista, acudiu logo, juntou-as e recolheu-as disfarçadamente.<br />
— Como não tive sono esta noite, pus-me a rabiscar baboseiras. Almoças<br />
comigo, não é assim?<br />
— Só se for já, porque tenho ainda uns três doentes a visitar.<br />
— Em cinco minutos isto estará acabado — disse Paulino, referindo-se à<br />
toalete. — Mas dize-me: como te corre a clínica?<br />
— Otimamente. A principio custou a vir. Mas, graças a uns amigos<br />
influentes, chegou, e vai num progresso constante. Tenho uma clientela restrita, mas<br />
que paga sem olhar a dinheiro. É o que convém. E a prova <strong>de</strong> que não me posso<br />
queixar da sorte é que vou casar-me <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> poucos meses.<br />
— Ah! E com quem?<br />
— Com a filha do <strong>de</strong>sembargador Rodrigues Lopes.<br />
— Rica?<br />
— Não, pobre como Eva, ou melhor: quase tão pobre, porque Eva nem<br />
camisa tinha; é encantadora. Queres vê-la? Tenho aqui o retrato.<br />
Tirou da carteira uma fotografia pequena e mostrou-a ao amigo, que tendo-a<br />
examinado alguns momentos, lha restituiu dizendo:<br />
— Sim, senhor. Uma linda cabeça. E tem um ar muito inteligente. Meus<br />
parabéns.<br />
Nessa ocasião entrou o Alfred com as botinas do amo e ajudou-o a vestir-se.<br />
— Estou pronto. Vamos almoçar.<br />
— Não trazes o chapéu?<br />
— Para quê?<br />
— Não tencionas sair <strong>de</strong>pois do almoço?<br />
78