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— Vai melhorar já; não é nada. Tem ai antipirina inglesa? Se não tem, vou<br />
buscar lá acima.<br />
— Tenho sim, mas espere um pouco. Talvez eu melhore sem isso. Não me<br />
faria bem uma xícara <strong>de</strong> café bem forte e bem quente 9<br />
— Sim, talvez.<br />
Corina mandou a criada fazer o café. Maurícia saiu encostando a porta.<br />
Estavam sós; ele, sentado na ca<strong>de</strong>ira baixa, com a cabeça próxima da<br />
moça, que o olhava, sorrindo, com seus gran<strong>de</strong>s olhos úmidos; tinha entre as suas<br />
mãos uma das <strong>de</strong>la e não dizia uma palavra, receoso <strong>de</strong> que a primeira que lhe<br />
saísse dos lábios fosse a única que não <strong>de</strong>via nem queria dizer.<br />
— Não se tinha <strong>de</strong>itado ainda quando a rapariga foi chamá-lo, <strong>de</strong>certo, visto<br />
que veio tão <strong>de</strong>pressa — murmurou ela.<br />
— Não; estava à janela, tal como daqui saíra.<br />
— E em que pensava?<br />
— Eu? Em nada.<br />
— Mentiroso! Pensava em mim, não negue: pensava em mim.<br />
— Pois bem... pensava... em ti! — murmurou ele com voz sumida.<br />
Corina com o braço livre tomou-lhe a cabeça, achegou-a ao seio ofegante e<br />
beijou-a nos cabelos, sem dizer nada, conservando-a assim alguns momentos. Todo<br />
o cheiro <strong>de</strong>licioso daquele seio mal velado, estuante <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo, subiu à cabeça do<br />
médico, enchendo-a <strong>de</strong> uma luz suave, gradualmente mais clara, mais alucinante <strong>de</strong><br />
alegria, como a alvorada <strong>de</strong> um dia primaveril invadindo um moital espesso e<br />
acordando a passarada gárrula. Era a loucura da felicida<strong>de</strong>... Quantos beijos se<br />
<strong>de</strong>ram, ar<strong>de</strong>ntes, soltos, nos olhos, nos lábios, nas faces, nas mãos, nos cabelos!<br />
— Espera! — disse <strong>de</strong> repente Corina. — É a rapariga.<br />
Maurícia entrava com uma chávena <strong>de</strong> café fumegante numa ban<strong>de</strong>ja.<br />
— Olha, Maurícia, po<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ixar isso aí e vai <strong>de</strong>scansar. Chamar-te-ei<br />
quando seu doutor tiver <strong>de</strong> sair.<br />
A criada retirou-se, dizendo que se Sinhá precisasse era só chamar, porque<br />
ela ia cochilar um bocado na sala <strong>de</strong> jantar, numa ca<strong>de</strong>ira.<br />
Quando a viu sair, Corina sentou-se na otomana <strong>de</strong> damasco que estava à<br />
direita do leito, atirando para as costas com um gesto da cabeça os cabelos soltos,<br />
apenas presos por uma fita, ao meio. Paulino ajoelhara-se, como impelido por uma<br />
força estranha, e, passando os braços na cintura da moça, com o peito unido aos<br />
seus joelhos, ergueu para ela a cabeça e entrou a murmurar, como em uma oração,<br />
três, <strong>de</strong>z, vinte, cem vezes:<br />
— Amo-te! Amo-te! Amo-te! Amo-te!<br />
A porta bateu <strong>de</strong> leve, impelida pela aragem, vinda <strong>de</strong> fora. Corina correu a<br />
fechá-la pisando com os pés nus o tapete persa do soalho, alto e macio como um<br />
tabuleiro <strong>de</strong> relva.<br />
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