15.04.2013 Views

Flor de Sangue - Unama

Flor de Sangue - Unama

Flor de Sangue - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

www.nead.unama.br<br />

boca à frescata, gozavas do espetáculo da sua nu<strong>de</strong>z! E ensinavas-lhe<br />

bandalheiras, mistérios <strong>de</strong> bor<strong>de</strong>l! Toma! Toma! E quando a vias <strong>de</strong>sfalecida <strong>de</strong><br />

gozo sob as tuas carícias ignóbeis, pedias-lhe as jóias, extorquias-lhe dinheiro. Ah!<br />

Compreendo agora por que ela me pedia tantas vezes dinheiro, cujo emprego tão<br />

mal justificava! Era para o seu amante, era pra ti, safado, que o ias gastar<br />

provavelmente com outras. Era disso que vivias! Era com a honra dos maridos que<br />

fabricavas o teu luxo grosseiro. Fazias das esposas prostitutas e ladras! E eu a<br />

abraçar-te, a receber-te à minha mesa, a encher-te o bandulho, a chamar-te amigo!<br />

Toma! Toma! Ah! Só teres uma vida! Como a morte é castigo leve para tantos<br />

crimes!..."<br />

Mas o corpo <strong>de</strong> Corina mexeu-se: <strong>de</strong>spertava do <strong>de</strong>líquio. Sentou-se na<br />

cama e, como louca, com a alvura da sua carne moça salpicada, enlaivada <strong>de</strong><br />

sangue purpúreo, esteve um momento imóvel, assistindo àquela cena pavorosa.<br />

Fernando, sentindo-a acordada, lembrou-se, e só então, também <strong>de</strong>la. Suspen<strong>de</strong>u o<br />

braço, que golpeava sempre, voltou para ela os olhos aloucados.<br />

Foi um segundo <strong>de</strong> indizível horror. Ela juntou as mãos em súplica muda.<br />

Ele, com o punhal, tinto <strong>de</strong> rubro, erguido na <strong>de</strong>stra, <strong>de</strong>scavalgou o corpo miserável<br />

do morto, <strong>de</strong>sceu ao chão, e com o próprio punhal chamou a mulher, sem uma<br />

palavra, Ela, <strong>de</strong>spenteada, sujas <strong>de</strong> sangue as pernas e as mamas, trêmula, um<br />

terror sobre-humano <strong>de</strong>compondo-lhe as feições, obe<strong>de</strong>ceu... Veio para ele como<br />

uma sonâmbula e ajoelhou-se-lhe aos pés, abraçando-os, <strong>de</strong> rastros. E soluçava,<br />

soluçava. Ele curvou o corpo sobre o dorso nu, encolhido, da infeliz e ia cravar-lhe a<br />

arma; porém a voz <strong>de</strong> Corina subiu-lhe dos pés, flébil, gemente, misérrima...<br />

"Fernando! Meu Fernando! Meu marido!"<br />

Vinha tão cheia <strong>de</strong> fraqueza, <strong>de</strong> miserabilida<strong>de</strong> aquela voz!<br />

Estava tão baixo, cosida com o pó, numa posição <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>la batida! E<br />

<strong>de</strong>pois, ele que ia matá-la sem <strong>de</strong>fesa, covar<strong>de</strong>mente, não teria concorrido para o<br />

crime que estava ali castigando? Não passava ele quase todas as noites fora <strong>de</strong><br />

casa, no jogo, na orgia? Não a abandonava, assim, a todas as tentações perigosas<br />

e torpes? Não tinha ele amantes? Fora sempre um bom marido? Dera-lhe sempre os<br />

carinhos, as honras, a proteção que lhe <strong>de</strong>via?<br />

E o braço não golpeava e a voz da <strong>de</strong>sgraçada, soluçando sem parar, como<br />

um fio d'água que sai aos gorgolejos <strong>de</strong> um tubo:<br />

"Perdão! Sei que mereço a morte! Mas tenho-lhe tanto medo! Tanto medo! E<br />

se soubesse como tenho expiado o meu crime! Aquele homem fez-me sofrer<br />

torturas! Perdoa-me! Fernando, meu Fernando! Meu marido!"<br />

Ele não respondia... Uma pieda<strong>de</strong> imensa, invencível, invadia-lhe a alma<br />

amolecendo-a num fluxo <strong>de</strong> lágrimas, que rebentou, por fim. Atirou o punhal e,<br />

sentado sobre uma ca<strong>de</strong>ira, com a face fechada nas mãos, chorou longamente,<br />

miseravelmente, em soluços hartos, convulsos. Corina, que vestira um penteador,<br />

chorava também <strong>de</strong> bruços, beijando-lhe os pés.<br />

Quando a onda impetuosa do pranto passou, <strong>de</strong>sarmando-lhe a cólera,<br />

<strong>de</strong>safogando-lhe a alma, lavando-lhe os olhos do sangue que os cegava, ergueu-se,<br />

empurrou silenciosamente <strong>de</strong> si com o pé o corpo da mulher, fechou a porta que<br />

dava para o gabinete <strong>de</strong> toalete, guardou a chave e saiu do quarto, <strong>de</strong>ixando nele<br />

Corina com o morto. Depois fechou a porta por fora, <strong>de</strong>sceu a escada, passou sobre<br />

o cadáver <strong>de</strong> Maurícia, e saiu para a rua.<br />

O tílburi esperava-o. "Leve-me à estação policial mais próxima", disse ao<br />

cocheiro. Este, que dormia, acordou estremunhado, e não pô<strong>de</strong> reter uma<br />

exclamação <strong>de</strong> espanto quando viu o freguês naquele estado: sem paletó, nem<br />

110

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!