15.04.2013 Views

Flor de Sangue - Unama

Flor de Sangue - Unama

Flor de Sangue - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

www.nead.unama.br<br />

— Ah! — limitou-se a respon<strong>de</strong>r Fernando, imediatamente distraído por uma<br />

exclamação jovial do seu amigo Hugo da Rosa a propósito <strong>de</strong> qualquer coisa. As<br />

faces <strong>de</strong> dona Sinhá chamejavam; a cara sadia e risonha do amante respirava uma<br />

tranqüilida<strong>de</strong> absoluta <strong>de</strong> consciência.<br />

Era o inferno que principiava para a pobre moça. As exigências do infame<br />

foram sempre crescendo. Por último... batia-lhe! Sim, quando ela não podia arranjar<br />

o dinheiro que lhe exigia, brutalizava-a, magoava-lhe os pulsos <strong>de</strong>licados nos seus<br />

<strong>de</strong>dos grossos, ou fustigava-lhe com eles as faces, guardando ainda a bofetada, em<br />

cheio, <strong>de</strong> palma aberta, para mais tar<strong>de</strong>, como argumento supremo.<br />

Corina emagrecia; empali<strong>de</strong>cera, tinha olheiras violáceas, respirava<br />

sofrimento e opressão. Fernando alarmou-se com o estado da mulher; fê-la<br />

examinar por um médico dos mais notáveis, o dr. Castro, que receitou tônicos,<br />

banhos <strong>de</strong> mar, distrações. Corina não melhorava, porém. Se a sua enfermida<strong>de</strong> era<br />

a alma! Tentou reagir; como, porém, reagir contra aquele sujeito, capaz <strong>de</strong> tudo?<br />

Teve medo. Ele tinha cartas <strong>de</strong>la, além <strong>de</strong> mimos e lembranças, conhecidas do<br />

marido. Ele podia perdê-la e fugir, ou provar a sua culpa, <strong>de</strong>la, sem se comprometer,<br />

pois as cartas não tinham o nome <strong>de</strong>le nem o <strong>de</strong>la; mas a letra era autêntica, nem<br />

mesmo estava disfarçada...<br />

Negou-se a recebê-lo como a ir encontrar-se com ele em outra parte. Ele<br />

respon<strong>de</strong>u friamente que, se <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> três dias o não recebesse à noite, como<br />

costumava, ele escreveria uma carta anônima ao marido "contando-lhe as passadas<br />

façanhas da sua virtuosa esposa com certo doutor falecido e certo barão ausente". E<br />

a existência torpíssima dos dois recontinuava, ainda mais torpe e mais torturante.<br />

Nos domingos, entre risos e frases alegres, a infeliz, com a pali<strong>de</strong>z mal<br />

disfarçada pelo pó <strong>de</strong> arroz cor-<strong>de</strong>-rosa, tossindo <strong>de</strong> quando em quando,<br />

acompanhava ao piano as cançonetas picarescas do belo e triunfante Hugo da<br />

Rosa, ostentando a in<strong>de</strong>fectível flor do seu apelido na botoeira, e a face bem<br />

escanhoada, radiante <strong>de</strong> bem-estar, sobre a alvura luzente do colarinho e a<br />

fulguração multicor da gravata.<br />

Quem po<strong>de</strong>ria suspeitar o drama pungentíssimo que se ocultava naquele<br />

quadro burguês <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong>? Quem suspeitaria as torturas indizíveis que<br />

alanceavam o coração daquela mulher calma, séria, simples, sentada ao lado do<br />

esposo, no remanso domingueiro do lar? Quem adivinharia que aquele simpático e<br />

bonito moço, que era a alegria dos seres daquela casa aos domingos, era apenas<br />

um bandido, que vivia do dinheiro que obrigava a amante a pedir ou a tirar do<br />

marido? Oh! Ninguém suspeita, nem po<strong>de</strong> sequer, dispor-se a aceitar a existência<br />

<strong>de</strong> tão gran<strong>de</strong>s infâmias!<br />

Santinha, somente ela, conhecia o inferno em que se <strong>de</strong>batia dona Sinhá; e,<br />

sua amiga sincera e dotada <strong>de</strong> uma alma boa e sensível, fez quanto pô<strong>de</strong> para<br />

<strong>de</strong>fendê-la, ampará-la, consolá-la, chegando mesmo a ven<strong>de</strong>r parte <strong>de</strong> suas jóias<br />

para arranjar dinheiro com que lhe valesse. Tentou intimidar o bandido: ele<br />

ameaçou-a <strong>de</strong> contar a Viriato a história <strong>de</strong> "uma certa Messalina, casada com o<br />

melhor amigo do marido <strong>de</strong>la"; procurou comovê-lo: ele riu-lhe na cara. Tudo foi<br />

baldado.<br />

Desesperada, Corina pensou um momento em prostrar-se aos pés do<br />

marido e contar-lhe tudo; mas durou só um rápido instante essa idéia: Fernando<br />

esmagá-la-ia e com o <strong>de</strong>sprezo com que se esmaga um verme sob a sola da bota.<br />

Pensou <strong>de</strong>pois em fugir... Mas para on<strong>de</strong>? Não tinha um parente, nem uma relação<br />

fora da capital, nem meios pecuniários para ir para muito longe...<br />

102

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!