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www.nead.unama.br<br />
E esses dias <strong>de</strong> ébriez e essas noites <strong>de</strong> loucura sucediam-se com uma<br />
rapi<strong>de</strong>z extraordinária, como simples minutos, assinalados <strong>de</strong> episódios novos, <strong>de</strong><br />
inci<strong>de</strong>ntes encantadores.<br />
Uma noite Corina exigiu <strong>de</strong> Paulino recebê-la no belve<strong>de</strong>re. O médico<br />
mandou o criado fazer uma comissão qualquer fora da cida<strong>de</strong>. às 11 horas, Corina<br />
chegava, envolvida numa mantilha preta e subia as escadas, encantada com aquele<br />
cenário romanesco. Foi uma das noites mais agradáveis dos seus amores ocultos.<br />
Passaram-se nesse embevecimento uma semana, duas, três... Fernando<br />
não escrevia; telegrafava, apenas, <strong>de</strong> vez em quando, anunciando à esposa estar <strong>de</strong><br />
saú<strong>de</strong>. Corina, por uma intuição sutil, aliás comum nas mulheres, não falava <strong>de</strong>sses<br />
telegramas ao amante e respondia logo ao marido para tranqüilizá-lo assegurandolhe<br />
não haver novida<strong>de</strong> em casa.<br />
Nenhuma referência direta faziam a Fernando nas suas conversas, como se<br />
a sua ausência fosse <strong>de</strong>finitiva. Uma vez, apenas, em que o seu nome escapou aos<br />
lábios <strong>de</strong>la, Paulino disse com voz um pouco trêmula:<br />
— Não <strong>de</strong>ve estar longe o dia da volta...<br />
Corina disse que não, que ele se <strong>de</strong>moraria ainda. Mas o médico recebeu<br />
<strong>de</strong>le também um telegrama anunciando o vapor em que embarcaria e soube, assim,<br />
do dia em que o amigo <strong>de</strong>via chegar.<br />
Um frenesi apo<strong>de</strong>rou-se <strong>de</strong>le, então. Aproveitou avidamente os últimos dias,<br />
procurando não per<strong>de</strong>r uma hora da companhia da amante <strong>de</strong>vorando-a <strong>de</strong> carícias<br />
<strong>de</strong>lirantes, quase brutais, como esses infelizes que, sabendo-se <strong>de</strong>stinados a um fim<br />
próximo, aproveitam os últimos dias <strong>de</strong> vida para gozar sofregamente.<br />
Na penúltima noite — Fernando <strong>de</strong>via chegar dali a dois dias —, Paulino,<br />
tendo a amante seminua sobre os joelhos, disse-lhe, com voz firme porém<br />
melancólica e uma sombra pesando-lhe sobre a fronte:<br />
— Fernando chega <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> amanhã. Precisamos assentar uma <strong>de</strong>cisão<br />
sobre o que tenhamos <strong>de</strong> fazer. Que resolves-te?<br />
— A respeito <strong>de</strong> que? — inquiriu Corina com ar admirado.<br />
— A respeito da nossa situação.<br />
— Nada; espero que ele chegue.<br />
— Ah! — fez Paulino; e um ligeiro sorriso amargo acompanhou essa<br />
exclamativa seca. — Pois, minha querida, é preciso tomar um partido qualquer. Eu<br />
não posso apertar nunca mais a mão <strong>de</strong>sse homem; creio que nem mesmo po<strong>de</strong>ria<br />
encará-lo. Ele é senhor da minha vida e receio muito dizer-lho e entregar-lha, logo<br />
que ele chegue. Parece que só há uma coisa a fazer antes <strong>de</strong>sse dia.<br />
— Qual? — perguntou Corina, com um receio palpitante nos olhos.<br />
— Partirmos para muito longe, para a Europa, <strong>de</strong>ixando-lhe numa carta a<br />
confissão do nosso crime.<br />
— Isso não! — acudiu Corina.<br />
— Por quê?<br />
— Porque eu ficaria <strong>de</strong>sonrada; porque seria um escândalo medonho!<br />
Porque as nossas relações ficariam públicas e meu nome coberto <strong>de</strong> lama. E fugir<br />
para que? Se tivermos cautela bastante, Fernando, com a confiança absoluta que<br />
<strong>de</strong>posita em ti, não suspeitará nunca dos nossos amores. E, mais tar<strong>de</strong>, faremos<br />
todos três uma viagem à Europa. Ah! Como seria bom! Como nos divertiríamos!<br />
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