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— Não tinha pensado nisso.<br />
— Mas tu não conheces São Paulo. Ou já tinhas vindo cá?<br />
— Não, é a primeira vez.<br />
— Pois então, hás <strong>de</strong> permitir-me que te faça as honras da cida<strong>de</strong>.<br />
Paulino, que não encontrava pretexto para escusar-se, teve <strong>de</strong> ce<strong>de</strong>r ao<br />
convite do colega e amigo.<br />
A doçura do tempo, a or<strong>de</strong>m, limpeza e boa aparência da gran<strong>de</strong> sala das<br />
refeições em que comiam, espalhados, em pequenas mesas, muitos hóspe<strong>de</strong>s,<br />
conversando discretamente, e a jovialida<strong>de</strong> do companheiro dispunham<br />
favoravelmente o ânimo <strong>de</strong> Paulino e quando, ao fim do almoço, <strong>de</strong> que comera com<br />
apetite, saía com o amigo, havano fumegante nos lábios, respon<strong>de</strong>ndo a uma<br />
pilhéria <strong>de</strong>le com outra, que os fez rir muito a ambos, a idéia da morte não lhe<br />
povoava o pensamento e ninguém po<strong>de</strong>ria adivinhar, por mais perspicaz e<br />
conhecedor do coração humano, que aquele belo e forte mancebo, tão calmo e<br />
risonho, tinha lavrado a sua própria sentença capital e a executaria <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />
algumas horas. Como po<strong>de</strong>ria alguém pensá-lo, se ele próprio, naquele momento<br />
não o pensava? Ele fazia naturalmente, sem cálculo, o mesmo que fazem muitos<br />
dos con<strong>de</strong>nados à morte — que dormem tranqüilamente a sua última noite e comem<br />
com apetite a refeição <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira.<br />
Dir-se-ia que o corpo, prevendo o seu aniquilamento próprio, procura,<br />
instintivamente exercer pela última vez as suas funções orgânicas em toda a sua<br />
plenitu<strong>de</strong>, com fina volúpia, afirmando assim em or<strong>de</strong>m, vigor e equilíbrio o triunfo<br />
glorioso da vida, mutável mais imortal.<br />
A porta do hotel tomaram o carro particular <strong>de</strong> Julião, <strong>de</strong>vendo Paulino<br />
acompanhá-lo nas visitas aos doentes que lhe faltava ver; e <strong>de</strong>pois iriam passear, a<br />
fim <strong>de</strong> Paulino conhecer os pontos mais pitorescos ou mais interessantes da cida<strong>de</strong>.<br />
Julião levou o amigo ao bairro da Luz, on<strong>de</strong> lhe mostrou o jardim público, o<br />
seminário, o quartel, a estação da estrada <strong>de</strong> ferro, os principais prédio e palacetes<br />
indicando os proprietários, dando-lhe <strong>de</strong>talhes; na volta fê-lo admirar a várzea do<br />
Carmo, o curso do Tamanduateí, o Brás; levou-o ao museu Sertório, à aca<strong>de</strong>mia, ao<br />
palácio da Presidência e aos principais cafés. Convidou-o a jantar numa excelente<br />
rotisserie da rua São Bento e fê-lo prometer-lhe que o acompanharia à noite ao<br />
teatro São José, on<strong>de</strong> trabalhava uma boa companhia <strong>de</strong> zarzuela.<br />
Findo o jantar, passearam, ainda um pouco, num carro <strong>de</strong> praça, tendo<br />
Julião mandado embora o seu, por estarem os cavalos fatigados.<br />
Depois, Paulino voltou ao hotel para mudar <strong>de</strong> roupa e esperar ali Julião,<br />
que fora fazer as suas visitas clínicas da tar<strong>de</strong>.<br />
Ao entrar, entregou-lhe o porteiro dois ou três cartões e um telegrama.<br />
Na sobrecarta este en<strong>de</strong>reço:<br />
"Gran<strong>de</strong> Hotel ou Hotel <strong>de</strong> França"<br />
Abri-o, trêmulo, subindo as escadas. De quem seria? De Corina? Talvez,<br />
chamando-o, dizendo-lhe que o esperava para fugir com ele, ou que chegaria para<br />
se lhe reunir. E se fosse isso? Que faria?<br />
O coração batia-lhe precipite; o papel tremia-lhe nas mãos. Desdobrou-o<br />
finalmente. Foi à assinatura: "Fernando". E leu:<br />
"Cheguei bem, estou furioso tua ausência, volta breve. Sauda<strong>de</strong>s. Abraços<br />
nossos".<br />
Sentiu um abalo tão forte que teve que apoiar-se ao corrimão.<br />
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