15.04.2013 Views

Flor de Sangue - Unama

Flor de Sangue - Unama

Flor de Sangue - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

www.nead.unama.br<br />

— Sim, uma missão que consi<strong>de</strong>ro sagrada e da qual somente hoje me<br />

posso <strong>de</strong>sempenhar. Esta carta, que lhe vou entregar <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> alguns instantes,<br />

foi-me remetida para este fim, há quase cinco anos pelo... — e a sua voz tremia um<br />

pouco — pelo meu saudoso colega e amigo dr. Paulino <strong>de</strong> Castro.<br />

A fisionomia do preso <strong>de</strong>mudou-se subitamente; as faces tornaram-se<br />

lívidas, os lábios tiveram um rápido tremor e um véu <strong>de</strong> lágrimas cobriu-lhe os olhos.<br />

A comoção era tal que não podia articular uma palavra.<br />

— Sente-se mal?<br />

— Não, obrigado. Isto passa já. Compreen<strong>de</strong>... O dr. Paulino foi o meu<br />

maior, o meu melhor amigo. Consi<strong>de</strong>rava-o como meu filho. Nunca tive outro senão<br />

ele...<br />

— Bem o sei. Mas julguei que o tempo houvesse cicatrizado completamente<br />

essa terrível ferida.<br />

— Feridas há que nem o próprio tempo consegue cicatrizar. A que me abriu<br />

no coração a perda daquele amigo é <strong>de</strong>sse número. E <strong>de</strong>pois, daquela forma,<br />

suicidando-se, cortando a carótida com um golpe <strong>de</strong> bisturi! Moço, belo, ilustrado,<br />

com um futuro extra ordinário, estimado por quantos o conheciam! Oh! Foi para mim<br />

uma catástrofe. Se ele vivesse, a minha <strong>de</strong>sgraça atual não me pesaria tanto. Que<br />

me importava ter matado um homem, perdido a mulher, o lar, a felicida<strong>de</strong> doméstica,<br />

se o tinha a ele, o meu Paulino, o meu amigo, o meu filho querido? Se fosse<br />

absolvido, partiria com ele para a Europa, viajaríamos o mundo inteiro e eu<br />

esqueceria, finalmente, o meu infortúnio. Mas sem ele que será <strong>de</strong> mim? Que farei<br />

da vida? É provável que o júri me absolva; matei o amante <strong>de</strong> minha mulher, tendoos<br />

surpreendido em flagrante. Lavei com sangue a minha honra. Mas que encantos<br />

tem agora a vida para mim? Viver aqui para encontrá-la a cada passo, risonha,<br />

frívola, formosa, triunfante? Amei-a, amo-a, amo-a ainda, senhor doutor, amo-a<br />

ainda muito para po<strong>de</strong>r vê-la outra vez. Viajar? Mas sozinho, sem um amigo intimo<br />

que me distraia, que compreenda o estado do meu espírito e procure curá-lo... fora<br />

inútil. A vida pesa-me. Não me suicidarei, porém. Devia tê-lo feito naquele dia fatal;<br />

não o fiz: agora é tar<strong>de</strong>. Procurarei longe daqui alguma coisa a que <strong>de</strong>dique este<br />

resto curto <strong>de</strong> vida miserável sendo útil aos meus semelhantes.<br />

E, tendo por alguns momentos fechado o rosto nas mãos trêmulas, volveu<br />

com voz firme:<br />

— Agora estou calmo. Po<strong>de</strong> falar.<br />

— O que tenho a dizer é bem pouco. Há cinco anos, pouco mais ou menos,<br />

recebi na Bahia uma carta escrita pelo dr. Paulino <strong>de</strong> Castro na véspera do dia em<br />

que se suicidou em São Paulo, carta que acompanhava esta, fechada e lacrada<br />

como agora está. Pedia-me o meu amigo, o nosso amigo, que guardasse esta carta<br />

em meu po<strong>de</strong>r para só entregá-la ao seu <strong>de</strong>stinatário se <strong>de</strong>sse uma circunstância<br />

especial, realmente estranha...<br />

— E qual?<br />

— Essa circunstância era... — O médico hesitava; por fim, com um esforço<br />

visível — era ter V. Sa. algum dia provas inconcussas <strong>de</strong> que sua esposa o traía.<br />

Fernando empali<strong>de</strong>ceu tanto e seu corpo teve um sobressalto tão forte que o<br />

médico ergueu-se para ampará-lo.<br />

116

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!