You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
CAPÍTULO VI<br />
O PRIMEIRO BEIJO<br />
www.nead.unama.br<br />
Eram cerca <strong>de</strong> três horas da tar<strong>de</strong> quando as duas senhoras chegaram em<br />
face da pequena porta do atelier.<br />
Era um gran<strong>de</strong> barracão, construído ao centro <strong>de</strong> um vasto terreno<br />
ajardinado, separado da rua por um alto tapamento <strong>de</strong> tábuas, em meio do qual<br />
havia uma portazinha, igualmente <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, on<strong>de</strong> se viam uma placa <strong>de</strong> metal<br />
amarelo com a palavra Barinelli gravada, e uma maçaneta <strong>de</strong> campainha. Da rua<br />
nada se via do que estava para lá do tabuado.<br />
— Que imprudência, Santinha! — murmurou Corina, receosa.<br />
— Imprudência, por quê? São dois moços muitos sérios, e <strong>de</strong>pois há muitas<br />
senhoras que vêm aqui. Vou tocar — e Santinha, pegando da maçaneta, puxou-a<br />
com força.<br />
Um trilintintim prolongado ouviu-se <strong>de</strong>ntro, ao fundo.<br />
Um minuto após, a porta abria-se, e aparecia um homenzinho <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s<br />
bigo<strong>de</strong>s brancos, que perguntou em português italianado o que <strong>de</strong>sejavam aquelas<br />
senhoras.<br />
— O sr. Adolfo Barinelli está?<br />
— Sim, senhora; queiram fazer il piacere <strong>de</strong> entrar.<br />
Abriu <strong>de</strong> todo a porta e afastou-se para <strong>de</strong>ntro, para que as damas<br />
entrassem; <strong>de</strong>pois tornou a fechar a porta e passou à frente, a conduzi-las.<br />
O barracão <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, apesar <strong>de</strong> baixo, era construído com certa<br />
elegância, todo cercado <strong>de</strong> altas janelas <strong>de</strong> venezianas, arranjadas <strong>de</strong> modo a<br />
graduarem a luz e o ar. O italiano apressou o passo para avisar seu amo; logo após<br />
voltou, e, afastando para um lado o reposteiro japonês <strong>de</strong> bambus, disse-lhes que<br />
fizessem o favor <strong>de</strong> entrar. Santinha passou primeiro. O escultor veio ao encontro<br />
das duas moças, enxugando as mãos numa toalha, que atirou para cima <strong>de</strong> um<br />
busto <strong>de</strong> gesso. A meia obscurida<strong>de</strong> da peça turvou-lhes a vista no primeiro<br />
momento, <strong>de</strong> modo a somente distinguirem a figura do artista, que estava fronteiro à<br />
porta. A acolhida foi gentilíssima. Santinha apresentou a amiga.<br />
— Conheço muito seu marido, minha senhora, e ele faz-me a honra <strong>de</strong><br />
consi<strong>de</strong>rar-me seu amigo; convidou-me até para uma festa que <strong>de</strong>u em casa por<br />
ocasião da chegada do dr. Paulino <strong>de</strong> Castro, <strong>de</strong> quem também sou amigo.<br />
— Ah! E por que não foi?<br />
— Eu, minha senhora, sou um verda<strong>de</strong>iro urso; não visito ninguém; não vou<br />
a festas. Daqui apenas saio para a aca<strong>de</strong>mia e para o hotel. Às vezes, quando o<br />
calor aperta muito, dou um pulo a Petrópolis, e é tudo. E, <strong>de</strong>pois, que faria eu em<br />
uma sala? Não danço, não recito, não canto, não jogo... Fora dos meus bonecos,<br />
não sirvo para nada. Mas façam o favor <strong>de</strong> entrar.<br />
Era um homem <strong>de</strong> 30 e poucos anos, estatura um pouco abaixo da média,<br />
magro, mas forte, com uma formosa cabeça nazarena, cabelo castanho anelado,<br />
barba loura, aberta ao meio em duas pontas, encaracoladas pelo constante anediar;<br />
33