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Fora, na rua, ouvia-se a ativida<strong>de</strong> da população mourejante: sonidos <strong>de</strong><br />
campainhas <strong>de</strong> bon<strong>de</strong>s, pregões <strong>de</strong> quitan<strong>de</strong>iros, rolar <strong>de</strong> carros, gritos indistintos.<br />
Num piano da vizinhança rompeu, estrepitosamente, a polca da moda.<br />
Na sala <strong>de</strong> jantar, tomavam café com biscoitos. A viúva já vestida <strong>de</strong> preto,<br />
com os peitos copiosos colhidos no espartilho, sem mais vestígios do <strong>de</strong>salinho<br />
<strong>de</strong>scurado <strong>de</strong> há pouco, pronta para receber com <strong>de</strong>cência e gravida<strong>de</strong> os pêsames<br />
<strong>de</strong> pessoas <strong>de</strong> importância, mostrando na pali<strong>de</strong>z das faces moles e nas olheiras<br />
pisadas a fadiga e o pesar, tomava melancolicamente uma chávena <strong>de</strong> leite, ouvindo<br />
com um ar distraído as mesmas banalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uma das tais amigas velhas. Era<br />
uma parda esquelética, <strong>de</strong> cabelos ralos e grisalhos, <strong>de</strong> mãos nodosas e longas,<br />
com poucos mas vorazes <strong>de</strong>ntes. Enquanto abeberava no café com leite um pedaço<br />
<strong>de</strong> pão e acabava <strong>de</strong> mastigar o bocado anterior, dizia com voz plangente,<br />
arrastada, insuportável <strong>de</strong> falsida<strong>de</strong>:<br />
— Coitado do conselheiro! Tão bom homem!... Sinto tanto a morte <strong>de</strong>le<br />
como se fosse sua irmã... Mas a gente que é que adianta em se <strong>de</strong>sesperar? A vida<br />
é assim mesmo. E a gente se resignar com a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus!<br />
E atafulhava o pedaço <strong>de</strong> pão inchado e escorrente <strong>de</strong> café com leite nas<br />
profun<strong>de</strong>zas negras da gran<strong>de</strong> boca, escancarada com avi<strong>de</strong>z.<br />
CAPÍTULO XIII<br />
O CRIME<br />
Havia três dias que Fernando partira para o Rio da Prata com o fim <strong>de</strong> fazer<br />
contratos com os principais criadores para os fornecimentos necessários à sua<br />
gran<strong>de</strong> empresa <strong>de</strong> introdução e corte <strong>de</strong> gado platino no Rio <strong>de</strong> Janeiro e <strong>de</strong><br />
colocar nas praças <strong>de</strong> Montevidéu e Buenos Aires a parte a elas reservada do<br />
capital da companhia. Era um negócio gigantesco, no qual esperava o arrojado<br />
industrial ganhar rios <strong>de</strong> ouro.<br />
Dona Sinhá — a quem aliás aquela viagem tentava, segundo dizia — não<br />
acompanhou o marido aterrorizada com a passagem do mar, certa <strong>de</strong> que enjoaria<br />
atrozmente. Fernando não insistiu no convite. Ia a negócios e não a passeio, e por<br />
isso talvez não pu<strong>de</strong>sse proporcionar à esposa todas as diversões e recreios das<br />
duas capitais sul-americanas, explicava. A verda<strong>de</strong> é que <strong>de</strong>sejava viajar escoteiro,<br />
sem os gran<strong>de</strong>s embaraços que traz a companhia <strong>de</strong> uma senhora; <strong>de</strong>ssa forma,<br />
estaria mais livre para o trabalho como para o prazer.<br />
Partia tranqüilo, porque Paulino prometera olhar-lhe pela casa e pela família<br />
durante a ausência, que não <strong>de</strong>via passar <strong>de</strong> 30 dias.<br />
O médico, quando o amigo, à mesa do jantar, lhe comunicou a notícia da<br />
viagem e lhe fez aquele pedido, recebeu um choque tão forte que o garfo lhe caiu<br />
dos <strong>de</strong>dos sobre a borda do prato. E pensou logo, frio <strong>de</strong> medo, no tal <strong>de</strong>mônio<br />
escarninho que às ocultas se divertia em preparar e conduzir tranqüilamente a obra<br />
da sua perdição.<br />
Esteve para escusar-se, para alegar impossibilida<strong>de</strong>, para inventar uma<br />
viagem súbita, qualquer coisa... Mas compreen<strong>de</strong>u logo que seria inútil, porque<br />
Fernando havia <strong>de</strong> insistir até conseguir resolvê-lo a ficar em casa até o seu<br />
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