15.04.2013 Views

Flor de Sangue - Unama

Flor de Sangue - Unama

Flor de Sangue - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

www.nead.unama.br<br />

algumas carruagens corriam em <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> palacetes nos arredores; um<br />

ventozinho fresco picava a pele; a temperatura arrefecia e uma cinza fina chovia<br />

sutilmente, do alto céu silencioso, <strong>de</strong> momento a momento mais fundo e mais<br />

sombrio, cobrindo as coisas <strong>de</strong> melancolia, enchendo as almas <strong>de</strong> uma sauda<strong>de</strong><br />

vaga, nostálgica, aflitiva como um a<strong>de</strong>us sem esperança.<br />

E Paulino sentiu <strong>de</strong> repente um aperto no coração, um nó na garganta...<br />

Uma consternação entrou com ele, <strong>de</strong>vastada, solitária, <strong>de</strong>sesperante como um<br />

<strong>de</strong>serto <strong>de</strong>sconhecido e intérmino... Teve vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> chorar, ali, em soluços, em<br />

gritos, correndo pelas ruas, com as mãos espalmadas para o alto, clamando a sua<br />

<strong>de</strong>sgraça, a sua miséria, o fim e o nada do seu eu. E essa vonta<strong>de</strong> foi tão imperiosa<br />

que, para não sucumbir-lhe, voltou logo para o hotel.<br />

Julião e Oliva haviam-no procurado e prometido voltar. Avisou ao porteiro<br />

que os não receberia, como a ninguém mais.<br />

Encerrou-se no quarto, fechou a janela, embora ainda houvesse um resto <strong>de</strong><br />

dia, e acen<strong>de</strong>u o gás. Aquele crepúsculo fazia-lhe um mal terrível... aquele ocaso,<br />

que era o <strong>de</strong> sua vida também, tornava-lhe penosíssima a idéia da morte.<br />

Mas não pô<strong>de</strong> mais... Atirou-se sobre a cama <strong>de</strong> bruços e, mergulhando a<br />

cabeça nas almofadas, chorou copiosamente, com raiva, com dó, com <strong>de</strong>sespero,<br />

convulsionado por um sentimento estranho, complexo, <strong>de</strong>sconhecido, <strong>de</strong><br />

incomportável crueza. De repente ouviu bater à porta...<br />

Ergueu-se, enxugou os olhos, compôs o semblante, e abriu. Era Alfred, que<br />

vinha às or<strong>de</strong>ns. Perplexo, mal reposto do abalo nervoso daquela crise, não sabia o<br />

médico que lhe dissesse. Disse-lhe, por fim, que se achava indisposto, que lhe fosse<br />

buscar uma garrafa <strong>de</strong> vinho do Porto e um cálice; e, cumprida aquela or<strong>de</strong>m, <strong>de</strong>ulhe<br />

mais esta: que só lhe aparecesse na manhã seguinte às sete horas.<br />

Estava novamente só. Ainda bem! Bebeu <strong>de</strong> um trago um cálice <strong>de</strong> vinho;<br />

acen<strong>de</strong>u um charuto e entrou a passear em toda a extensão do quarto, esforçandose<br />

por assenhorear-se novamente <strong>de</strong> si próprio.<br />

Então, que covardia era aquela? Fora a sugestão do crepúsculo... Mas<br />

passara. Que horas eram? Sete horas. Matar-se-ia à meia-noite, à hora legendária<br />

dos mistérios, dos crimes e.... dos amores. Dos amores! Como foram curtos e<br />

<strong>de</strong>sgraçados os seus!<br />

Tirou do bolso uma fotografia <strong>de</strong> Corina; mas, como viessem com ela alguns<br />

papéis, lembrou-se que <strong>de</strong>via fazer uma limpeza em toda a sua papelada. Meteu<br />

logo mãos à obra: rasgou rapidamente documentos extintos e cartas sem<br />

importâncias; apartou as <strong>de</strong> valor e <strong>de</strong>struiu em pequenos fragmentos as que lhe<br />

pareceram comprometedoras.<br />

Só restava o retrato <strong>de</strong> Corina; pôs-lhe as mãos para rasgá-lo, mas <strong>de</strong>tevese:<br />

queria contemplá-lo até os <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iros instantes <strong>de</strong> sua vida. Que linda era!<br />

Como o fizera feliz aquele corpo maravilhoso <strong>de</strong> ninfa!... Mas só o corpo, que a alma<br />

era a das borboletas. Não o amara aquela mulher; não o amara. Nunca havia amado<br />

nem amaria nunca. Era uma leviana, uma frívola, uma coquete. Afinal, não era <strong>de</strong>la<br />

a culpa. Fora o seu temperamento e fora a sua educação que a fizeram assim.<br />

Ah! Se ela o houvesse amado, tê-lo-ia acompanhado, arrostando, com ele e<br />

como ele, bravamente, a justa cólera do esposo, os ridículos e as grosserias do<br />

escândalo, as exprobrações hipócritas da socieda<strong>de</strong> e as maldições enfáticas da<br />

moral pública... Se o amasse, não pensaria no marido, na socieda<strong>de</strong>, na moral, no<br />

escândalo, no que diria fulano e sicrano: só pensaria nele, entregar-se-ia nas suas<br />

mãos, dando-lhe o seu coração e a sua vida.<br />

88

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!