15.04.2013 Views

Flor de Sangue - Unama

Flor de Sangue - Unama

Flor de Sangue - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

www.nead.unama.br<br />

Ao seu lado dormia tranqüilamente a infeliz criatura que a dona do hotel lhe<br />

havia mandado para o quarto, e que ele já encontrara adormecida, quando <strong>de</strong>sceu<br />

da sala da roleta, e que adormecida <strong>de</strong>ixou, sem lhe tocar. Contemplou-a alguns<br />

minutos com um olhar <strong>de</strong> compaixão profunda e um sorriso <strong>de</strong> amarga ironia.<br />

Era uma mulher franzina, morena, <strong>de</strong> 17 a 18 anos; um tipo <strong>de</strong> anêmicanervosa,<br />

membros <strong>de</strong>licados, cabelos negros, rosto miúdo, <strong>de</strong> traços finos e<br />

graciosos: nos seios <strong>de</strong>scobertos não havia ainda vestígio <strong>de</strong> cansaço:<br />

conservavam, só eles, um resto da virginda<strong>de</strong> poluída e morta não havia muito.<br />

Era, evi<strong>de</strong>ntemente, uma estreante, uma novata da escola do vício. Estaria<br />

totalmente perdida? E Paulino, que apenas <strong>de</strong>spira o paletó, revestia-o lentamente,<br />

contemplando sempre a infeliz e cismando, comovido, na sua sorte. De repente<br />

sentiu incomodá-lo no lado esquerdo do peito um volume grosso, que estava no<br />

bolso interno do fraque. Levou a mão ao bolso e subitamente — por uma singular<br />

associação instantânea <strong>de</strong> uma recordação e <strong>de</strong> uma idéia — lembrou-se do<br />

dinheiro que ganhara, horas antes, à roleta e pensou em salvar com ele aquela<br />

rapariga.<br />

Estivera <strong>de</strong> uma "sorte única, <strong>de</strong> uma chance brutal", como dizia,<br />

maravilhado, o Oliva, que per<strong>de</strong>u até a última nota <strong>de</strong> cinco tostões. Era a primeira<br />

vez que jogava a roleta, e, como soe geralmente acontecer, por um capricho<br />

estranho e perverso da sorte, fora <strong>de</strong> uma felicida<strong>de</strong> assombrosa. Jogava sem<br />

cálculo, sem plano, com vonta<strong>de</strong> e intenção <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r... Para que diabo precisava<br />

<strong>de</strong> dinheiro, ele, um con<strong>de</strong>nado à morte? E repugnava-lhe o ganho ao jogo. Mas,<br />

apesar <strong>de</strong> tudo, ganhava sempre. Era uma perseguição da fortuna, cruelmente<br />

irônica, e que, por lhe parecer tal, irritava-o sobremaneira. Às cinco horas da manhã<br />

terminava a banca, rebentada, levada à glória pelo jogador bisonho e calouro, com<br />

espanto e inveja dos parceiros e com sombrio e calado <strong>de</strong>speito do banqueiro, o<br />

qual, entretanto, <strong>de</strong>sfez-se em amabilida<strong>de</strong>s com ele, convidando-o a voltar naquela<br />

noite:<br />

— Não falte logo, seu doutor. Está <strong>de</strong> sorte; <strong>de</strong>ve aproveitá-la. A parceirada<br />

é boa e o botequim está às or<strong>de</strong>ns. É pedir o que quiser, até champanha. — E nos<br />

olhos piscos do Teixeirão ardia a febre sórdida da cobiça, lia-se a ânsia <strong>de</strong> apanhar<br />

novamente nas garras o jogador móvel, para arrancar-lhe todo o lucro e mais o<br />

dinheiro que levasse.<br />

Paulino nada respon<strong>de</strong>u, nauseado <strong>de</strong> tanta miséria. Mas pensava no<br />

<strong>de</strong>stino que daria àquele dinheiro vil. Eram <strong>de</strong>z contos e quinhentos mil-réis. A<br />

primeira idéia foi dá-los ao Oliva; mas repeliu-a logo: voltariam para a roleta, para o<br />

banqueiro, sem benefício <strong>de</strong> ninguém. Dou-o aos pobres; pensou. E com essa idéia<br />

meteu-o no bolso num gran<strong>de</strong> rolo.<br />

Agora, diante daquela pobre coitada, encontrava o <strong>de</strong>stino melhor que podia<br />

dar aquele dinheiro imundo para po<strong>de</strong>r purificá-lo, fazendo o bem: arrancar com ele<br />

aquela mulher do vício, da ignominia, da miséria.<br />

Puxou uma ca<strong>de</strong>ira para junto do leito, sentou-se nela e acordou<br />

brandamente a moça, tocando-lhe repetidas vezes no ombro nu. Ela abriu os olhos,<br />

que fechou logo, enca<strong>de</strong>ados pela luz forte do sol, para, reabrindo-os, fitá-los no<br />

médico. Deu um gritinho <strong>de</strong> espanto e puxou a colcha para cima, tapando a cabeça.<br />

Paulino abaixou a colcha brandamente, <strong>de</strong>scobrindo-lhe o rosto e disse-lhe:<br />

— Então que é isso? Não se assuste; e conversemos.<br />

83

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!