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Brian L. Weiss <strong>Muitos</strong> <strong>corpos</strong>, <strong>uma</strong> <strong>só</strong> <strong>Alma</strong><br />
- Apoia as mãos na minha secretária e inclina-se para mim em segredo. - Sabe como é.<br />
Não se pode confiar neles. Eu digo-lhes o que fazer até ao mais ínfimo pormenor, e eles<br />
fazem sempre asneira. Deixem-nos com um paciente, digam adeus ao paciente.<br />
Quando trabalhei no Mount Sinai, quase todos os residentes e internos eram dedicados e<br />
competentes, desejosos de aprender e ajudar. Quando comecei a conhecê-los, confiei<br />
neles até aos limites do seu conhecimento. O hospital dele seria assim tão diferente?<br />
- Não fica exausto por trabalhar a esse ritmo?<br />
- Às vezes - reconheceu, sentando-se finalmente. Parecia ter apreciado a cadeira, porque<br />
relaxou visivelmente, embora um dos pés estivesse a bater no chão. Depois, a sua agitação<br />
recomeçou.<br />
- Claro que fico cansado. Quem não ficaria? Se soubesse a quantidade de incompetência<br />
que vejo todos os dias, rebentava com os miolos. Dosagens erradas. Diagnósticos errados.<br />
Dietas erradas. Falta de civismo, conversas nas costas, sujidade no chão, gráficos<br />
incorrectos... - Arrastava-se como um motor a morrer.<br />
- Pondo em perigo os seus pacientes? - incitei. O motor voltou a disparar.<br />
- Pode ter a certeza, pondo-os em perigo! Às vezes... - voltou a inclinar-se para mim, e a<br />
voz baixou para um murmúrio - morrem.<br />
Sim, alguns pacientes morrem. Talvez o homem com meningite morresse. Mas muito<br />
poucas mortes podem ser atribuídas a erros de tratamento no hospital ou incompetência<br />
médica. O cancro mata. Os vírus matam. Os acidentes de automóvel matam.<br />
- Mas isso é inevitável - disse eu.<br />
- Não para os meus pacientes.<br />
Isto foi dito com tanta certeza e arrogância que eu recuei.<br />
- Certamente alguns deles - disse eu. - Os pacientes com cancro. Os velhos. As vítimas de<br />
enfarte.<br />
Aconteceu <strong>uma</strong> coisa estranha: os seus olhos encheram-se de lágrimas.<br />
- É verdade. E cada vez que isso acontece, quero matar-me. Adoro os meus pacientes,<br />
cada um deles, e, quando um deles morre, eu morro com ele. Isso rasga-me por dentro.<br />
- Não devia... - comecei, mas depois desisti de tentar contradizê-lo ou consolá-lo.<br />
- Sabe com quem é que fico mais furioso? - soluçou. - Comigo. Continuámos nesta onda<br />
durante o resto da sessão. Acontece que ele era obsessivo-compulsivo acerca de todos os<br />
pormenores dos cuidados médicos com os seus pacientes, embora não o fosse noutros<br />
aspectos da sua vida. Suponho que os seus pacientes gostassem da sua atenção no início,<br />
mas que depois alguns deles se ressentissem dela, porque devem ter sentido a ansiedade<br />
ligada à sua obsessão. Ele estava também demasiado envolvido emocional-mente com os<br />
seus pacientes. Mais <strong>uma</strong> vez, a ligação tinha sido provavelmente bem recebida no início,<br />
antes de a sua agitação os deixar nervosos.<br />
Max sofria ao lado dos seus pacientes. A sua ansiedade com eles tornava-se desespero e<br />
remorso se não conseguissem recuperar. Cada contratempo era culpa sua, cada morte<br />
imperdoável. A medida que nos fomos conhecendo, ele contou-me que receitava a si<br />
próprio medicamentos antidepressivos quando a dor emocional se tornava esmagadora.<br />
Começou a ter dores no peito e, aterrorizado, correu para um cardiologista. O cardiologista<br />
não conseguiu encontrar nada de errado, embora tenha feito <strong>uma</strong> bateria de testes. Mesmo<br />
assim, as dores persistiram, muitas vezes de forma debilitante. Incapaz de delegar funções,<br />
muito menos por telefone, Max ia para o hospital muito mais vezes do que era necessário,<br />
«<strong>só</strong> para ter a certeza de que estavam todos bem», como ele dizia. Mas isto significava que<br />
tinha pouco tempo para a família, e até as horas que passava com eles eram manchadas<br />
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