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Volume 1 - Número 8 - EDUEP - Uepb

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SocioPoética - <strong>Volume</strong> 1 | <strong>Número</strong> 8<br />

julho a dezembro de 2011<br />

exige uma atitude e postura totalmente diversa daquela do momento da experiência.<br />

Entendemos que a fala do místico, ainda que prenhe do vigor e da stimmung3<br />

da experiência vivida, é um ato discursivo altamente elaborado, artifício literário e<br />

filosófico não-espontâneo, reflexivo e esteticamente organizado.<br />

A principio há o paradoxo de que o discurso da mística é uma fala que se confessa<br />

impotente, fracassada em seu mérito de linguagem produtiva, inútil até. Entretanto,<br />

se o fim da experiência mística é o silêncio – lembremo-nos o já tão citado epigrama<br />

de Wittgeinstein “Daquilo que não se pode falar deve-se calar” – poucos gêneros<br />

discursivos foram tão produtivos quanto esse, pois o que os místicos mais fazem<br />

é falar: na mística fala-se (e muito) para confessar-se mudo, emudecido, en fanti.<br />

Então, confessar-se-ia a impotência da voz para conquistar novamente as palavras,<br />

o mundo, o sentido?<br />

Místicos simplesmente não têm sido silenciosos. Muitos têm falado sem<br />

restrição, e outros têm escrito volumosamente. O gênero de literatura<br />

mística é não somente quantitativamente vasto, mas lingüisticamente<br />

luxuriante. No discurso místico, a linguagem se desenfreia: ela pula, ela<br />

salta, ela canta. Ela fala em prosa e poesia; ela dá descrições objetivas da<br />

experiência e voa nas asas do êxtase; ela guia iniciantes com um gentil<br />

cuidado e corta a ilusão com argumentos de lâmina afiada. [...] Além<br />

disso, certos místicos têm tido suas experiências místicas na e através<br />

da linguagem. Com isso eu quero dizer não somente que a linguagem<br />

evoca e molda essas experiências, mas que as formas lingüísticas participam<br />

na revelação do domínio transcendente. Nesse sentido, pode<br />

existir uma mística da linguagem (COUSINS, 1992, apud SHOJI,<br />

2003, p. 60).<br />

Em uma linguagem simbólica repleta de oxímoros, paradoxos e contradições o<br />

discurso místico intenta descrever uma experiência a qual Meister Eckhart se refere<br />

como um non intelligendo intelligere. Aliás, é bastante corriqueira a afirmação de<br />

uma obscuridade intrínseca ao discurso místico, daí os abundantes símbolos de trevas<br />

e escuridão para caracterizar essa linguagem como negação do inteligir. Segundo<br />

Juan Martín Velasco (2004), essa tradição remonta a Gregório de Nisa, para quem<br />

o itinerário espiritual seguiria os passos de Moisés, quando chamado em presença da<br />

sarça ardente até o momento chave em que pede a Deus para ver Seu rosto e Deus,<br />

após ter ordenado que Moisés se escondesse atrás de uma rocha, se manifesta naquele<br />

local, tendo tido antes a precaução de tampar com Suas mãos a rocha onde Moisés<br />

estava escondido, pois “um homem não pode ver o rosto de Deus e sobreviver” (Ex.<br />

33: 18-23). Para Pseudo-Dionísio Deus é raio de treva luminosa e misteriosa treva<br />

do não-saber; para São João da Cruz a noite escura é ao mesmo tempo lugar de<br />

perda e encontro entre a Alma e seu Amado (Deus); e Meister Eckhart assim afirma:<br />

“A luz que é Deus emana e escurece toda luz” (Sermão 71, ECKHART, 2004). De<br />

3 “Disposição anímica”, termo usado por Staiger (1972) para caracterizar uma certa disposição ou atmosfera<br />

a que somos conduzidos pelo poeta no gênero lírico.

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