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Volume 1 - Número 8 - EDUEP - Uepb

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SocioPoética - <strong>Volume</strong> 1 | <strong>Número</strong> 8<br />

julho a dezembro de 2011<br />

sabemos apenas que “andou com Deus e já não era, porque Deus o tomou para si”<br />

(Gênesis 5, 24). A esta economia de informações do livro do Gênesis contrastam a<br />

riqueza de informações sobre Enoque e seu papel de viajante celestial e intercessor<br />

dos anjos caídos do Livro dos Vigilantes. O autor deste apocalipse (e de outros que<br />

atribuem a Enoque sua autoria) se oculta por detrás deste nome. Desta forma o<br />

autor (Enoque) se torna ele mesmo parte da ficção. Se ele é o mediador e como tal<br />

um personagem oculto/revelado no próprio texto, isso nos mostra muito sobre a<br />

importância da ficção narrativa na construção de mundo. Não há uma consciência<br />

externa ao texto ou que fale sobre ele. Autor e narrativa estão imersos na mesma<br />

textura.<br />

Mas voltemos ao caso de João, do Apocalipse. Este não se utiliza deste recurso.<br />

De forma enigmática e quebrando todos os paradigmas do gênero literário ele se<br />

apresenta como o autor do livro, tornando-se o único profeta apocalíptico que não<br />

fez uso da pseudepigrafia. Por quê? O que o levou a tal ousadia? Ela é tão surpreendente<br />

que a história da recepção do texto fez questão de ignorá-la assimilando o<br />

profeta João ao Apóstolo João, tradicionalmente associado ao Evangelho de João.<br />

Houve sim comentaristas da igreja antiga que já percebiam este fenômeno, que<br />

a linguagem do Apocalipse é muito diferente da do Evangelho e que ambos não<br />

podiam ter sido redigidos pelo mesmo autor, mas de forma geral a hagiografia e a<br />

iconografia identificaram o João do Apocalipse com o Apóstolo. É como se a recepção<br />

do texto sentisse falta da pseudepigrafia, que o autor que nos conduz por ficções<br />

tão complexamente elaboradas necessitasse de uma identidade ficcional.<br />

Vamos nos deter agora sobre o fluxo narrativo da revelação sobre o final dos<br />

tempos. Como havíamos observado, trata-se de uma mensagem urgente. Mas a<br />

estrutura do texto não parece corresponder à urgência e à importância da revelação.<br />

Neste sentido a forma do texto não corresponde à urgência de sua mensagem. Ao<br />

invés de revelar parece ocultar. Quando esperamos o desvelamento da identidade<br />

do Anticristo e dos inimigos escatológicos, o texto apocalíptico apresenta imagens<br />

de monstros híbridos e códigos numéricos sobre os quais os intérpretes em toda a<br />

história nunca conseguiram chegar a um acordo. Talvez a nossa equiparação entre<br />

urgência de revelação de uma mensagem sobre o final dos tempos e sua pretensa<br />

simplicidade seja falsa. Também pode ser falsa nossa ênfase unilateral sobre os<br />

conteúdos escatológicos. O próprio processo complexo e cheio de mediações da<br />

revelação nos fala muito sobre sua essência. Neste sentido ler um apocalipse é participar<br />

do processo de revelação no fluxo da narrativa, no jogo especular do labirinto das<br />

palavras e das imagens que elas evocam. A relação entre apocalipse e literatura se dá<br />

nessa imanência da mensagem na forma da narrativa. O Apocalipse não pode ser<br />

lido como literatura, pois este “como” não faz sentido. A revelação só pode acontecer<br />

na materialidade do texto, no inserir-se na leitura e nos jogos de interpretação.<br />

Isso acontece por meio das manipulações que o texto apocalíptico exerce sobre seu<br />

leitor. Estas formas são basicamente duas: a) falta de linearidade da narrativa, que<br />

faz com que o leitor seja sugado para dentro do texto; b) falta de perspectiva única<br />

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