Volume 1 - Número 8 - EDUEP - Uepb
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SocioPoética - <strong>Volume</strong> 1 | <strong>Número</strong> 8<br />
julho a dezembro de 2011<br />
contexto de origem do autor e se comparados a outros contextos de escrita inglesa,<br />
e a lacuna se torna ainda mais aguda se o tema da religião é analisado.<br />
Não somente a ausência do tema nos estudos acadêmicos deve ser o elemento<br />
motivador das pesquisas sobre as obras de um autor, mas especialmente a forma<br />
como o tema surge, se desenvolve, assume a vida de personagens, problematiza,<br />
refrata, interpreta a condição da cultura e da civilização. Thomas Mann se mostrou<br />
um autor sempre marcado pela dubiedade da relação entre ser e aparência, pela<br />
ironia e pelo assombro diante do elementar, do mítico, ainda que tal assombro<br />
sempre se dê a partir das demandas e dos dilemas da consciência combalida da<br />
modernidade européia em contexto de guerra e de convulsões político-culturais.<br />
Sem deixar de expressar e interpretar a consciência moderna em constante conflito<br />
com o sagrado e o religioso, especialmente com as heranças da tradição judaica e<br />
cristão, manifestando este conflito nas diferentes formas de niilismo e fragmentações<br />
da vida, Thomas Mann apresenta em sua obra o papel do mito, o mítico como<br />
fundamento, como arqueologia de nossa condição, às vezes em lampejos de nostalgia.<br />
Algo que se deixa exemplificar em seu primeiro romance Os Buddenbrooks, que<br />
despertou interesse do público e da crítica, escrito quando Thomas Mann tinha 26<br />
anos, e sobre quem Rainer Maria Rilke declarou: “Man wird sich diesen Namen<br />
unbedingt notieren müssen”. No romance, os dilemas de uma família revelam as<br />
fissuras neste mundo de valores burgueses em decadência, com sua moral baseada<br />
na hipocrisia, sua visão religiosa sem a força de enfrentar as novas condições da vida<br />
e das visões críticas da sociedade. Um mundo que se mostra em crescente ruína e no<br />
qual Thomas Mann não poupa nem a si mesmo nem a sua família. Neste mundo o<br />
autor faz uma interpretação irônica, ácida e incisiva da condição humana no contexto<br />
alemão deste período. A pequena e velha cidade de Lübbeck se torna assim<br />
uma representação da condição moral, política e religiosa da Alemanha. A forma<br />
como a obra nos apresenta este mundo marca uma das características mais fortes<br />
do texto literário: o uso intensivo da língua em suas possibilidades de explorar,<br />
matizar, problematizar o tema descrito e interpretado. É a experiência do estranhamento,<br />
mais do que reconhecimento, é a experiência da intensidade, mais do que<br />
uso significativo ou significante que está no centro dos textos de Mann. Aludindo<br />
a Deleuze, a literatura não consiste em primeiro lugar em simplesmente projetar<br />
um eu, mas em discorrer sobre “coleções de sensações intensivas” e um “bloco de<br />
sensações variáveis”, com destaque para a condição singular em que se encontram<br />
as personagens. É com esta característica de intensidade e intensificação que emerge<br />
o tema da religião na obra de Thomas Mann, transitando entre sua interpretação<br />
da herança advinda do judaísmo e cristianismo e a questão do mito e do mítico no<br />
desenvolvimento de sua obra.<br />
A religião em Mann será interpretada a partir de dois aspectos constitutivos do<br />
desenvolvimento do tema em sua obra: 1) a compreensão que o autor tem de mito<br />
e mítico, que transpõe um confronto do autor e sua obra somente com a influência<br />
que a história do judaísmo e do cristianismo teve no ocidente e que direcionará os<br />
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