Volume 1 - Número 8 - EDUEP - Uepb
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SocioPoética - <strong>Volume</strong> 1 | <strong>Número</strong> 8<br />
julho a dezembro de 2011<br />
de ambos os conjuntos antitéticos de metáforas em movimento. Um apocalipse, no<br />
seu conjunto narrativo, é devedor tanto de anjos como de demônios na configuração<br />
de personagens, ações prototípicas, enredo. Um apocalipse “apocalíptico” no<br />
sentido proposto por Frye não teria movimento, seria uma obra maçante. A revelação<br />
também se refere – em alguns momentos prioritariamente – ao Anticristo, à<br />
Babilônia, aos monstros do final dos tempos. Afinal, entender o mal que nos cerca<br />
e nos subjuga é o grande tema dos apocalipses e de culturas apocalípticas. E sempre<br />
que tivermos uma maior clareza sobre isso, ou melhor, coragem para penetrar no<br />
demoníaco, talvez mais chance de libertação estivesse ao nosso alcance.<br />
Se o apocalíptico se constitui na dança entre o mundo divino e o demoníaco -<br />
como bem o demonstra o capitulo 12 do Apocalipse, no confronto entre a mulher<br />
grávida, vestida de sol e o Dragão que destrói as estrelas e quer lhe devorar o filho<br />
– talvez o eixo principal do arquétipo literário apocalíptico deva ser encontrado no<br />
tempo apocalíptico. Afinal apocalipse é sinônimo na cultura popular de catástrofe<br />
no final dos tempos, em um tempo não só linearmente, mas qualitativamente final,<br />
de consumação. O apocalipse, estruturado por oposições dualistas também em sua<br />
temporalidade, conduz a narrativa por um longo fio temporal que leva à salvação,<br />
por um lado, e ao juízo e destruição, por outro lado. Também nesta perspectiva não<br />
cabe a separação estrita dos regimes imagéticos proposta por Frye. A salvação não<br />
pode acontecer sem o juízo e sem a destruição do mal. Destruir o mal e seus agentes<br />
no futuro é possibilitar salvação e liberdade. Não é possível uma conciliação entre<br />
ambos. Esta afirmação fundamental dos textos apocalípticos, sem a qual eles seriam<br />
desfigurados, os torna textos absolutamente desprovidos de utilidade política em uma<br />
sociedade que queira lidar responsavelmente com diferenças e diferentes. E quando<br />
eles são usados nesta perspectiva, isso acontece às custas desta tensão dualista.<br />
Esta segunda perspectiva, de ler o apocalipse nas culturas e na literatura como<br />
estruturas temporais dualistas dirigidas ao futuro, também tem fortes limitações.<br />
A primeira delas é que nem todos os apocalipses são orientados para o futuro. Isso<br />
não parece fazer sentido uma vez que a definição clássica do gênero estabelece<br />
que se trata de textos sobre o fim dos tempos. Esta definição clássica, por demais<br />
estreita e idealizada, não se fundamenta na leitura dos apocalipses antigos e dos seus<br />
comentários. Os apocalipses antigos e medievais eram mais ambiciosos que seus<br />
intérpretes modernos. Eram textos com pretensões enciclopédicas. Há neles de tudo<br />
muito: especulações de modelos astronômicos (Enoque Astronômico), especulações<br />
sobre os tempos primordiais e seus personagens (Ex. Enoque e Noé no Livro dos<br />
Vigilantes e no 2º Enoque), revisão da história do povo de Deus, que, como se<br />
sabe, é marcada mais por traições e fracassos que por qualquer outra coisa (ver no<br />
livro de Enoque o Apocalipse das Semanas e o Apocalipse dos Animais) 4 . E mesmo<br />
4 Ver as seguintes edições de textos apocalípticos judaicos: Apócrifos del Antiguo Testamento, Tomo IV,<br />
Ciclo de Henoc, Alejandro Diez Macho (ed.). Madrid: Cristiandad, 1984 e o tomo VI da mesma coleção<br />
(2009), The Old Testament Pseudepigrapha, <strong>Volume</strong> one: Apocalyptic Literature and Testaments, James<br />
H. Charlesworth (ed.). London: Darton, Logman & Todd, 1983.<br />
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