Volume 1 - Número 8 - EDUEP - Uepb
Volume 1 - Número 8 - EDUEP - Uepb
Volume 1 - Número 8 - EDUEP - Uepb
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Cristianismo e a decadência da cultura burguesa em Buddenbrooks<br />
SocioPoética - <strong>Volume</strong> 1 | <strong>Número</strong> 8<br />
julho a dezembro de 2011<br />
No primeiro romance Mann constata e problematiza os muitos aspectos da<br />
decadência da cultura burguesa de seu tempo, não deixando de lado sua pequena<br />
Lübeck e as relações familiares que ali são travadas. O cristianismo emerge como<br />
fundamentos de parte significativa da teia de relações, na fomentação dos hábitos e<br />
na base dos valores morais. O cristianismo é apresentado, portanto, como sintoma<br />
da decadência. Em diferentes personagens, temas como a moralização e universalização<br />
da corrupção humana, a pergunta pelo sentido da crença num deus criador<br />
e a possibilidade de recuperação do sentido de todas as coisas num grande evento<br />
escatológico, assim como uma estrutura que vai da criação, passando pela queda,<br />
até à ideia de esperança numa nova criação, sem esquecer do papel da personagem<br />
do padre como ator decadente numa teatro sagrado apresentam a complexidade e a<br />
intensidade do cristianismo na obra de Mann.<br />
Como pano de fundo dessa crítica, há indubitavelmente a crítica que Nietzsche<br />
fizera da religião cristã, responsável como parte decisiva da decadência da história<br />
ocidental por meio de sua concepção de Deus e do papel da moral do escravo como<br />
pressuposto de funcionamento do mundo.<br />
A Montanha Mágica e a questão da teologia como antropologia<br />
No caso deste romance, podemos falar mais abertamente de um romance religioso,<br />
porque a pergunta pelo ser humano, que evoca a do salmista (Salmo 8,5) “O<br />
que é o homem, que dele te lembres?”, se torna elemento central para o desenvolvimento<br />
do enredo e da trama narrativa. Mann associa a essa pergunta, uma narrativa<br />
que pressupõe outra questão teológica fundamental: a pergunta pela teodicéia, ou<br />
seja, se há sentido falar de Deus em meio ao sofrimento do inocente e dos sentidos<br />
que podemos atribuir aos sofrimentos individuais. Na verdade, o tema da teodicéia<br />
no romance deve ser lido em sua correspondência ao tema do niilismo enquanto<br />
expressão de uma tentativa do ser humano destituir de sentido todos os fundamentos<br />
tradicionais de compreensão do mundo e de Deus, justamente por não aceitar<br />
mais a existência da idéia de um teísmo ao lado do sofrimento do inocente.<br />
O fascismo em Doktor Faustus<br />
A ideia criticada primeiramente em Os Buddenbrook, que o mal ainda é servo de<br />
um senhor que age pelo poder – tema central do livro de Jó-, é retomada por Mann<br />
em Doutor Fausto no contexto do fim da Segunda Guerra, dando a essa condição<br />
papel importante em sua narrativa. Com a guerra e seus horrores em seu contexto,<br />
reafirmava-se a ideia de que o mal ainda continua servo de um poder, que ele pode<br />
ser instrumentalizado.<br />
Muito além da já desenvolvida discussão pela crítica literária de que o fascismo é<br />
resultado da modernidade, outro aspecto muito importante na obra de Mann é que<br />
o cristianismo emerge em Doutor Fausto como base do fascismo, ou seja, a religião<br />
se torna, de forma surpreendente, a substância de uma cultura marcada pelo autoritarismo<br />
e pela sempre presente possibilidade de destruição do outro.<br />
89