Volume 1 - Número 8 - EDUEP - Uepb
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SocioPoética - <strong>Volume</strong> 1 | <strong>Número</strong> 8<br />
julho a dezembro de 2011<br />
relação com a existência” que revoluciona os modos ordinários do pensamento, o<br />
qual se desloca para o coração, essa conhecida metáfora que indica a centralidade<br />
das paixões humanas. Chandos prossegue ainda sua carta dizendo que “um algo<br />
inominável me obriga a pensar de uma maneira que me parece completamente<br />
insensata no momento em que trato de expressá-lo em palavras” (p. 15-16) 20 . A esse<br />
pensamento Chandos chama de pensar febril: “um pensar com um material que é<br />
mais direto, liquido e ardente que as palavras. São também redemoinhos. porém<br />
não parecem conduzir, como os redemoinhos da linguagem, a um fundo sem limite<br />
mas, de algum modo, a mim mesmo e ao mais profundo sono da paz” (p. 16) 21 .<br />
Um pensamento que prescinde de palavras razoáveis e que conduz o homem a<br />
si mesmo e a uma tranqüilidade que muito lembra o nirvana budista. Um pensamento<br />
que exige uma nova linguagem, a linguagem das coisas mudas definida por<br />
Chandos como: (…) uma língua, em que talvez me estaria dado não apenas escrever<br />
mas também pensar, não é nem o latim, nem o inglês, nem o italiano, nem o espanhol,<br />
mas uma língua cujas palavras não conheço nem uma somente, uma língua na<br />
que me falam as coisas mudas e na qual talvez um dia, no túmulo, prestarei contas<br />
ante um juiz desconhecido” (p. 16) 22 .<br />
Em razão da ausência de uma tal linguagem Chandos abandona a literatura e<br />
a pretensão de construir mundos mais reais que a própria realidade. Não obstante,<br />
seu testemunho nos fala da possibilidade de um modo de pensar marcado pela<br />
negatividade, e vivenciado por místicos das mais diversas tradições como negatividade<br />
e que na obra de Georges Bataille é caracterizado como não-saber 23 .<br />
A partir da vivência de silenciamento de Lord Chandos gostaria de aproximar<br />
o discurso poético do discurso da mística (especialmente daquela mística chamada<br />
apofática), pois entendo que ambos sejam erigidos a partir de uma (deliberada ou<br />
não) “sabotagem” da capacidade discursiva da linguagem, ou em outras palavras, que<br />
ambos seriam projetos de “fracasso” do discurso, entendendo discurso aqui como<br />
produção de razoabilidade e consenso. Tal proximidade se faz sentir na denúncia<br />
– presente em ambos discursos - da insuficiência da linguagem da razoabilidade<br />
20 No original: “un algo innombrable me obliga a pensar de una manera que me parece completamente<br />
insensata en el momento en que trato de expresarla en palabras”.<br />
21 No original: “un pensar con un material que es más directo, líquido y ardiente que las palabras. Son también<br />
remolinos, pero no parecen conducir, como los remolinos del lenguaje, a un fondo sin limite sino, de<br />
algún modo, a mí mismo y al más profundo seno de la paz”.<br />
22 No original: “(...) la lengua, en que tal vez me estaría dado no sólo escribir sino también pensar, no es ni<br />
el latín, ni el inglés, ni el italiano, ni el español, sino una lengua de cuyas palabras no conozco ni una sola,<br />
una lengua en la que me hablan las cosas mudas y en la que quizá un día, en la tumba, rendiré cuentas ante<br />
un juez desconocido.”<br />
23 Digno de nota é, aqui, o pensamento de Georges Bataille, que intenta um esforço considerável para pensar<br />
a experiência mística fora dos sítios do institucional e, mesmo, da fé positiva. Para esse autor a mística<br />
é um não-saber que interessa na medida exata que aponta para o fracasso da linguagem produtiva.<br />
Particularmente sobre o tema ver os livros O erotismo e A experiência interior que constam na bibliografia.<br />
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