Volume 1 - Número 8 - EDUEP - Uepb
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SocioPoética - <strong>Volume</strong> 1 | <strong>Número</strong> 8<br />
julho a dezembro de 2011<br />
imaginação do leitor, transformando o texto em um sistema de criação de sentido<br />
ilimitado. Um apocalipse assim concebido é uma enciclopédia, uma Escritura, e é<br />
neste processo de recepção do texto que o Apocalipse de João foi transformado num<br />
texto da cultura ocidental. Temos aqui um ponto de contato importante entre os<br />
apocalipses e a literatura. Narrar revelação é narrar em formas complexas da linguagem<br />
(metáforas, enigmas, sistemas de símbolos, alegorias, citações deformadas de<br />
textos antigos) os caminhos tortuosos para sua obtenção. Os medievais expandiram<br />
e enriqueceram o gênero apocalíptico dando atenção a um subgênero desconsiderado<br />
na antiguidade: as viagens ao mundo subterrâneo. Narrativas complexas<br />
como a Visio Pauli transformaram o desejo de revelação em uma longa jornada para<br />
cima e para baixo. Paulo é conduzido por anjos para o paraíso, para a cidade santa,<br />
ao terceiro céu, às câmaras infernais. Nele quase nada se conta sobre o final dos<br />
tempos, ele é apenas um horizonte. Ele mostra como o jogo micro-cosmo e macrocosmo<br />
se aplica à correlação: fim da vida - fim do mundo. Ao narrar as estruturas do<br />
além-vida, com suas recompensas, punições, hierarquia destas punições, da estrutura<br />
desta sociedade do além, na expectativa da vinda de um juízo final, ele fornece<br />
uma forma de discursar sobre o final dos tempos, ainda que metonimicamente. Este<br />
desenvolvimento da apocalíptica, principalmente nos apócrifos cristãos do segundo<br />
século em diante, criará uma grande narrativa mítica para o Ocidente que estrutura<br />
até hoje a forma como imaginamos a morte e o pós-morte.<br />
Mas o leitor deve agora estar se perguntando pelo Apocalipse de João. Afinal,<br />
não é ele o texto fundacional das expectativas escatológicas de nossa sociedade? E o<br />
que dizer das diferenças entre o Apocalipse de João e a grande literatura apocalíptica<br />
anterior a ele? Se João não escreveu um tratado astronômico como 1Enoque ou uma<br />
viagem aos infernos com a Visio Pauli, ele foi, por outro lado, o que melhor desenvolveu<br />
uma forma apocalíptica de narração que é determinante para a literatura na<br />
história: a forma labiríntica de narração. Não queremos com isso dizer que o profeta<br />
João tenha inventado esta forma de narrar ou que os textos anteriores ao Apocalipse<br />
fossem narrativas lineares ou ingênuas. De forma alguma. Mas o jogo revelação e<br />
uso de imagens complexas, de idas e vindas narrativas, de deformação (ou citação,<br />
se preferirem) de textos fundacionais, de apresentação de enigmas em perspectiva<br />
cósmica e escatológica, por meio de visão (ou sonho), com absoluta consciência da<br />
atividade de escritura, características marcantes do Apocalipse de João, tudo isso me<br />
parece indicar o papel fundamental e insubstituível que este livro ocupa na história<br />
do pensamento do Ocidente.<br />
O Apocalipse de João propõe revelação de mensagens fundamentais (o destino<br />
do cosmo) por meio de jogos complexos narrativos. Pressupomos que estas mensagens<br />
eram entendidas como urgentes por autor e por leitores do texto e como<br />
determinantes para suas vidas. E é por isso que nos surpreende o fato do profeta João<br />
se utilizar para a revelação destas mensagens urgentes de mediações tão sofisticadas.<br />
Isso parece nos indicar que é no próprio jogo da leitura do texto complexo, do sentido<br />
que se entrega aos poucos, em escolhas e apostas interpretativas que mensagens<br />
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