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oca, longe das influências que alteram os demais cantos”.<br />
(1942 p. 106).<br />
As cantigas de ninar fazem parte do processo estrutural e constitutivo da<br />
criança, referentes aos primeiros meses de vida 30 . Nesta fase, inicia-se a sua identificação<br />
através do olhar da mãe, e, que, segundo o que Lacan denominou Estádio do Espelho, pode<br />
ser vista da seguinte maneira:<br />
87<br />
Este reconhecimento nos mostra como a imagem, à qual o sujeito está (ou<br />
estará) um dia em posição de se identificar, é, a princípio, a montagem<br />
resultado de um real (o corpo da criança) com a imagem fantasística, que<br />
é projetada do inconsciente materno. O eu é assim descrito por Lacan<br />
como essencialmente imaginário, embora sua constituição não prescinda<br />
do reconhecimento simbólico do Outro. Isto quer dizer que, para que a<br />
criança possa se apropriar desta imagem, para que possa interioriza-la, é<br />
necessário que ela tenha um lugar no grande Outro encarnado pela função<br />
da mãe em um primeiro momento. Assim, a partir da fundação do “eu”, a<br />
criança é sensorialmente capaz de fazer diversas outras identificações<br />
imaginárias com seus semelhantes, na tentativa permanente de dar um<br />
ponto de basta no furo e vazio existenciais que simbólico nenhum pode<br />
dar conta. 31<br />
Portanto, este é um fenômeno comportamental que faz parte da vida de todos.<br />
Desta forma, como parte da memória constitutiva, a função-autor garante nesta peça o<br />
discurso da unidade de sentido, resgatado por uma imagem de alguém que o olha de cima,<br />
como se o leitor estivesse no berço. Além da imagem, a cantiga de ninar, com a repetição<br />
da sílaba boi, como na música do Boi-da-Cara-Preta, serve como identificação simbólica.<br />
Mas, o que causa o deslocamento de sentido, neste nosso caso,<br />
espetacularmente, é a relação que se faz com a imagem de que o próprio Boi (e não a mãe)<br />
é que canta a cantiga de ninar. Aí, temos uma relação paradoxal latente entre o bonito e o<br />
feio, a calma e o medo, a doçura e a raiva, onde há a prevalência das qualidades “boas”<br />
30 Experiência pela qual passa o bebê entre 6 e 18 meses<br />
31 http://www.gradiva.com.br/su.htm em 29/10/2005 às 16h12min