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Prosa - Academia Brasileira de Letras

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A cigana e o mulato<br />

anterior, e que será corrigida também, até a edição <strong>de</strong>finitiva, que o editor dá<br />

<strong>de</strong> graça aos vermes”. Quem acha que a vida po<strong>de</strong> ser assim concebida – como<br />

uma sequência <strong>de</strong> irrelevantes correcções retrospectivas <strong>de</strong> um texto irrelevante<br />

que se resolve na irrelevância da morte – não podia efectivamente levar muito<br />

a sério uma escola literária que, como disse Eça <strong>de</strong> Queirós na sua conferência<br />

sobre o Realismo, no Casino Lisbonense (e como Aluísio <strong>de</strong> Azevedo realizou<br />

em O Mulato), pretendia apresentar o homem como um resultado, uma<br />

conclusão e um produto das circunstâncias que o <strong>de</strong>terminaram.<br />

O Brás Cubas que resultou na edição <strong>de</strong>finitiva da sua vida é um irónico antipersonagem,<br />

um não-carácter vivendo um não-<strong>de</strong>stino, o resultado, a conclusão<br />

e o produto <strong>de</strong> um resfriado. Porque quando morreu, como informa ao leitor,<br />

estava em vias <strong>de</strong> inventar um emplastro para curar a hipocondria. Se não<br />

fosse o fatal resfriado agravado em pneumonia, essa caricatural contribuição<br />

positivística para o tratamento das almas teria modificado o sentido global da<br />

sua vida numa culminante errata, retrospectivamente preenchendo os seus vazios<br />

ontológicos e transformando a sua vida passada numa pertinente preparação<br />

para a fama e a glória. Só por isso não alcançou um lugar na História – “a<br />

volúvel História, que dá para tudo”.<br />

Tendo virado o Realismo programático às avessas em Memórias Póstumas e<br />

<strong>de</strong>ixado entrever o método <strong>de</strong>sse Realismo como uma retrospecção disfarçada<br />

<strong>de</strong> prospecção ou um efeito em busca <strong>de</strong> causa – uma “errata pensante” –, Machado<br />

fazem Quincas Borba, publicado <strong>de</strong>zanos <strong>de</strong>pois, uma impiedosa sátira<br />

complementar das idéias do <strong>de</strong>terminismo social que constituíam a base filosófica<br />

do mesmo Realismo. Quincas Borba não é propriamente uma sequela <strong>de</strong><br />

Memórias Póstumas, mas a relação entre os dois livros é articulada através do chamado<br />

“Humanitismo” (uma caricatural doutrina híbrida <strong>de</strong> Positivismo e <strong>de</strong><br />

Darwinismo Social) e através do seu inventor, o filósofo-mendigo e futuro milionário<br />

Quincas Borba, personagem <strong>de</strong> Memórias Póstumas mas não do romance<br />

que tem o seu nome como título. Tal como Brás Cubas, Quincas Borba está<br />

morto quando começa este romance. Mas não é, como Brás Cubas, um “<strong>de</strong>funto<br />

autor”, é um personagem <strong>de</strong> outro livro e a ausência estruturante <strong>de</strong>ste,<br />

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