Prosa - Academia Brasileira de Letras
Prosa - Academia Brasileira de Letras
Prosa - Academia Brasileira de Letras
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Otávio nunca se libertará <strong>de</strong>ssas dicotomias, <strong>de</strong>sse jogo terrível entre o Bem<br />
e o Mal. Se não cai num maniqueísmo simplista, é porque, lá no fundo, talvez<br />
dominando tudo, está a sua vocação do sofrimento e da misericórdia para com<br />
os humilhados e ofendidos. É por aí que toda a Tragédia Burguesa se humaniza, e<br />
foge do que ela po<strong>de</strong>ria ter <strong>de</strong> esquemático.<br />
Ela também foge, aliás, dos esquematismos econômico-sociais que o nome<br />
po<strong>de</strong>ria ocultar. Ele mesmo explica:<br />
“Como tipo <strong>de</strong> homem, não existe o burguês <strong>de</strong> que tanto se fala. Quando<br />
se <strong>de</strong>nuncia o burguês, o que é que realmente se <strong>de</strong>nuncia? Um tipo <strong>de</strong>finido,<br />
o inimigo do proletário? De modo algum; mas sim o burguês que há em<br />
nós, o indivíduo qualquer, burguês ou proletário, nobre ou sem trabalho,<br />
que vive segundo uma certa concepção ‘burguesa’ da vida, baseada em certos<br />
valores ‘baixos’. O que é, portanto, no fim das contas, o burguês?<br />
Alguém? Não. Apenas uma parte <strong>de</strong> nós mesmos, essa que diznão a todos<br />
os heroísmos e a todos os sacrifícios, a todos os movimentos para cima. É a<br />
parte, em nós, que procura estabilizar, que aceita e quer gozar do que se tem.<br />
Uma socieda<strong>de</strong> é burguesa, e portanto <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>struída, quando vive sobre<br />
os valores ‘<strong>de</strong> baixo’, burgueses, <strong>de</strong> que falamos.”<br />
Como escapar <strong>de</strong>sses <strong>de</strong>svios?<br />
“Pensando, hoje, com muita insistência, nessa idéia: na vida, quaisquer que<br />
sejam as loucuras que se cometam, é preciso preservar a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> amar.<br />
A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ainda po<strong>de</strong>r amar – no gran<strong>de</strong> sentido da palavra – <strong>de</strong>ve<br />
ser colocada acima <strong>de</strong> tudo. Nunca comprometer essa possibilida<strong>de</strong>.<br />
Enquanto isso não se <strong>de</strong>r, nada estará perdido, por pior que seja a situação.<br />
A todo momento, a salvação po<strong>de</strong> surgir.”<br />
E ele continua:<br />
Otávio <strong>de</strong> Faria e a Tragédia Burguesa<br />
83