Prosa - Academia Brasileira de Letras
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Subjetivida<strong>de</strong>, história e genealogia em João Cabral<br />
ignorar a figuração ostensiva <strong>de</strong> um “eu”. Claro está que subjetivida<strong>de</strong> não é<br />
um lugar-comum quando nos referirmos à obra <strong>de</strong> João Cabral <strong>de</strong> Melo Neto,<br />
seja como categoria filosófica, psicanalítica ou elemento constitutivo do discurso<br />
poético. A dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> apreen<strong>de</strong>r o sujeito só não po<strong>de</strong> servir <strong>de</strong> argumento<br />
para ofuscar sua observação, por uma razão óbvia e irrefutável: aquele<br />
sujeito existe. Se não como marca verbal ou pronominal a indicar o expediente<br />
estruturador do texto, como uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> extraída do universo do autor,<br />
cujas marcas se organizam para <strong>de</strong>linear um quadro <strong>de</strong> experiência que se faz<br />
ocasionalmente estruturante do perfil <strong>de</strong> quem produz o texto.<br />
Observando a poesia <strong>de</strong> João Cabral <strong>de</strong> Melo Neto com o monóculo da<br />
subjetivida<strong>de</strong>, vamos perceber que sua família está inscrita em todos os momentos<br />
<strong>de</strong> sua produção poética, mais ou menos veladamente. Não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong><br />
ser curioso, a partir disso, verificar a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nomes que surgem no interior<br />
do livro, em torno dos quais o poeta recompõe sua memória e a das famílias<br />
com as quais se confun<strong>de</strong> a história do seu estado natal. Os nomes dali surgidos<br />
com maior ou menor eficácia remetem ao seu universo familiar enquanto<br />
pólo organizador da experiência, que ele quer atualizada. Ao mesmo tempo, os<br />
nomes dão uma carnadura à história, que ficaria mais insossa e talvezaté mais<br />
opaca, se não recheada pelo rosário <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>s que se <strong>de</strong>scola <strong>de</strong> sua família.<br />
Antonio <strong>de</strong> Moraes Silva é um <strong>de</strong>sses que, inscrevendo a história <strong>de</strong> Pernambuco<br />
num ponto preciso, não se afasta da família do autor. Embora os<br />
seus sobrenomes não coincidam com os do poeta, a vinculação entre ambos é<br />
ostensiva. Como tantos outros poemas do livro A Escola das Facas, cujos títulos<br />
se resumem ao nome do sujeito, este tem a especificida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o sujeito abordado<br />
ser ascen<strong>de</strong>nte direto do autor e ter sido tão famoso quanto o próprio, <strong>de</strong>vido<br />
a suas produções literárias.<br />
Quando João Cabral reivindica episódios da história pernambucana como<br />
constituintes da sua composição, trazconsigo implicações i<strong>de</strong>ológicas não redutíveis<br />
a um sujeito, como talvez<strong>de</strong>sejasse algum leitor contemporâneo.<br />
Aliás, o sujeito cabral se afirma distintamente não por ser mais um indivíduo e<br />
sim por estar atrelado a uma dada origem social, que ele aciona como índice da<br />
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