Prosa - Academia Brasileira de Letras
Prosa - Academia Brasileira de Letras
Prosa - Academia Brasileira de Letras
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Subjetivida<strong>de</strong>, história e genealogia em João Cabral<br />
veis <strong>de</strong> imediato pela sua experiência sensível, que se <strong>de</strong>ixa amalgamar à matéria<br />
circunstante. Por conta disso, po<strong>de</strong>mos inscrever o seu sujeito objetivamente,<br />
uma vezque sua escrita vai, ao mesmo tempo, comportar a história<br />
contada pelos seus antepassados – assumida como sua – e se confrontar com a<br />
realida<strong>de</strong> que se lhe apresenta – figurada na sua obra <strong>de</strong> modo dissonante e não<br />
como <strong>de</strong>sdobramento daquela história. Assim, o seu sujeito se fazhistórico<br />
pelo cruzamento justo <strong>de</strong> duas condições díspares e aparentemente inconciliáveis,<br />
sobretudo porque nenhuma história comporta totalida<strong>de</strong>s ou teleologias,<br />
o que sua obra renega, aliás, do modo mais imperativo – seja quando se projeta<br />
no Sertão ou na Andaluzia, que ele também forja à sua maneira. De sua criação<br />
o saldo imperativo é o <strong>de</strong> uma forjadura, feita a partir <strong>de</strong> sua experiência concreta.<br />
Isto já seria suficiente para lhe imputar um traço distintivo. Mas como<br />
ele está criando algo, a partir <strong>de</strong> sua condição, se salva como sujeito <strong>de</strong> uma<br />
classe, <strong>de</strong> um local e <strong>de</strong> uma história que se entrelaçam numa fusão que é, por si<br />
mesma, poética.<br />
Mesmo quando não tomado <strong>de</strong> modo explícito, o universo canavieiro acaba<br />
irrompendo, eventualmente, noutras <strong>de</strong> suas composições, sob outras vestes,<br />
sejam temas <strong>de</strong> Espanha ou formas mo<strong>de</strong>rnizadas. Com isso, constitui-se<br />
uma expressão pautada pela memória, on<strong>de</strong> uma história <strong>de</strong>terminada e uma<br />
subjetivida<strong>de</strong> arredia se justapõem como gran<strong>de</strong>zas que se consomem e se<br />
equivalem na obra <strong>de</strong> João Cabral <strong>de</strong> Melo Neto. De mais a mais, a memória se<br />
afigura no interior da sua obra como veículo que permite a retomada <strong>de</strong> uma<br />
experiência que é, a um só tempo, histórica, familiar e subjetiva. Histórica,<br />
porque singra um recorte temporal que remonta à ocupação holan<strong>de</strong>sa e vai<br />
até o início do século XX – quando se consuma a <strong>de</strong>cadência <strong>de</strong>finitiva daquele<br />
tipo <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> –, muito embora seu imaginário focalize principalmente<br />
o século XIX; familiar, porque os antepassados do poeta compuseram o<br />
universo material e simbólico que <strong>de</strong>u sustentação ao patriarcado canavieiro; e<br />
subjetivo, na medida em que o poeta viveu em engenhos <strong>de</strong> cana-<strong>de</strong>-açúcar –<br />
fosse pela herança paterna, fosse pelo arrendamento <strong>de</strong> engenhos <strong>de</strong> fogo morto<br />
–, quando <strong>de</strong> sua infância. Por tudo isso, po<strong>de</strong>mos visualizar a obra cabralina<br />
187