13.04.2013 Views

Prosa - Academia Brasileira de Letras

Prosa - Academia Brasileira de Letras

Prosa - Academia Brasileira de Letras

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Lêdo Ivo<br />

João do Rio celebrou, numa prosa vertiginosa, a alma encantadora das<br />

ruas. Tornou imaginária uma cida<strong>de</strong> real. Intitula-se Os Dias Passam outro <strong>de</strong><br />

seus livros <strong>de</strong> crônicas. Os dias passavam e ele os olhava. Espreitava os homens<br />

e as coisas com olhos <strong>de</strong> espectador. Parado, era um voyeur, atento às<br />

graças, vícios e escabrosida<strong>de</strong>s humanas. Andando, era um flâneur quase bau<strong>de</strong>lairiano.<br />

Cabe-lhe a glória <strong>de</strong> ter sido o primeiro a introduzir na nossa língua<br />

o verbo flanar. Mais do que nenhum outro dos escritores do seu tempo<br />

exprimiu a cida<strong>de</strong> que se modificava e mo<strong>de</strong>rnizava sua passagem para um<br />

novo estilo <strong>de</strong> vida. Uma cida<strong>de</strong> que ele amava quase femininamente e figura<br />

até no seu pseudônimo.<br />

O culto do automóvel e do cinema, a música ruidosa, a pedagógica e civilizadora<br />

viagem à Europa, a mo<strong>de</strong>rnização do porto e o combate à febre amarela<br />

e a outras en<strong>de</strong>mias – providências indispensáveis à nova era cosmopolita –, a<br />

eletricida<strong>de</strong> que começava a iluminar a antiga cida<strong>de</strong> escura, os novos cuidados<br />

higiênicos, a repressão à multissecular imundície urbana, os comeres e beberes<br />

requintados, os bon<strong>de</strong>s elétricos que haviam substituído os bon<strong>de</strong>s <strong>de</strong> burros,<br />

o mistério sexual que une ou separa as criaturas – estas e outras presenças em<br />

sua obra indicam cultural e sociologicamente o ingresso do Brasil no século<br />

XX. Não era um pré-mo<strong>de</strong>rno, como propalam os historiadores literários seduzidos<br />

pelos rótulos simplificadores. Era um mo<strong>de</strong>rno – <strong>de</strong>ssa mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong><br />

infixa que passa como os dias passam, e é a contemplação do Oceano por Victor<br />

Hugo, a flânerie <strong>de</strong> Bau<strong>de</strong>laire, o bel aujourd’hui <strong>de</strong> Mallarmé, a maneira <strong>de</strong><br />

olhar o mundo <strong>de</strong> Machado <strong>de</strong> Assis, o arlequinismo <strong>de</strong> Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, a<br />

memória proustiana <strong>de</strong> José Lins do Rego.<br />

Mo<strong>de</strong>rno, João do Rio registrou um novo tempo artístico e social, econômico<br />

e moral. Em sua prosa imagística, <strong>de</strong> uma vivacida<strong>de</strong> e modulação incomparáveis,<br />

<strong>de</strong>sfilam a frivolida<strong>de</strong>, a banalida<strong>de</strong> e a hipocrisia <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong><br />

cosmética e <strong>de</strong>sespiritualizada, e extremamente ciosa das vantagens e privilégios<br />

<strong>de</strong> sua superiorida<strong>de</strong> hierárquica. Esse mundo do po<strong>de</strong>r do dinheiro,<br />

dos a<strong>de</strong>manes e etiquetas, do ócio herdado, do prazer e <strong>de</strong> uma licença sexual<br />

mascarada em elegância, pudicícia e segredos <strong>de</strong> alcova foi por ele retratado<br />

56

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!