Prosa - Academia Brasileira de Letras
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Everton Barbosa Correia<br />
só não po<strong>de</strong>ria assegurar uma compreensão satisfatória do objeto estético particular.<br />
Isso posto, interessa saber que a figura <strong>de</strong>calcada da realida<strong>de</strong> convertida<br />
em procedimento poético, distintivo <strong>de</strong> um estilo, passa a ser o escudo da<br />
expressão correspon<strong>de</strong>nte, tão particularizada que não se submete à bitola <strong>de</strong><br />
particularida<strong>de</strong>s outras. Daí ser bastante significativo encontrarmos uma voz<br />
como a <strong>de</strong> João Cabral, que, apesar <strong>de</strong> simular sua supressão <strong>de</strong>liberada, forja<br />
um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> composição que é, a um só tempo, correlato e sobreposto aos<br />
convencionais, seja da tradição erudita ou popular. Nunca <strong>de</strong>ixa a obra <strong>de</strong> João<br />
Cabral <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r com eficiência a esse duplo condicionamento, perceptível<br />
a cada verso seu: <strong>de</strong> ser <strong>de</strong> um tempo e <strong>de</strong> um espaço precisos.<br />
Quanto mais não seja observada em sua dimensão histórica, aquela obra mais<br />
se afirma como portadora <strong>de</strong> uma estrutura poética que se estabelece e firma parâmetros<br />
para seus sucessores. Com isso, o autor sedimenta uma outra estrutura<br />
narrativa – forjada na história – que, enquanto narrativa histórica, fibra o seu<br />
discurso, reconhecidamente <strong>de</strong> feição poética. Por isso, mesmo que pretendamos<br />
uma separação sistemática entre história literária e narrativa histórica, ainda<br />
assim não vamos conseguir esquadrinhar a produção do poeta pernambucano, que<br />
lança mão <strong>de</strong> expedientes próprios, cujos <strong>de</strong>sdobramentos na sua obra apontam<br />
mais para a especificida<strong>de</strong> lingüística ali constituída do que para a reprodução <strong>de</strong><br />
estruturas discursivas já dadas, sejam no plano histórico ou literário.<br />
Daí <strong>de</strong>corre que aquele sujeito circunstanciado – em Recife ou em Sevilha –<br />
<strong>de</strong>sloque as expectativas do que viessem a ser poesia e história, que se entrelaçam<br />
na sua expressão formalizada. Seja <strong>de</strong> Recife ou <strong>de</strong> Sevilha, a história manipulada<br />
interessa na medida em que servir ao seu discurso e se constituir<br />
como índice <strong>de</strong> sua condição <strong>de</strong> estar no mundo. Em vez<strong>de</strong> um sujeito envolto<br />
na sua singularida<strong>de</strong>, agora haveríamos <strong>de</strong> nos contentar com a particularida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> um sujeito historicizado que se projeta num mo<strong>de</strong>lo formal, integrado a<br />
uma estrutura discursiva específica, que também sofre e se constitui a partir <strong>de</strong><br />
seus abalos. A matéria da poesia interessa, nessa proporção, menos pelo impacto<br />
que produzno leitor do que pela postura que lhe é solicitada. Daí a fiar-se<br />
pela i<strong>de</strong>ntificação da matéria tratada po<strong>de</strong> resultar em ato passavelmente<br />
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