Prosa - Academia Brasileira de Letras
Prosa - Academia Brasileira de Letras
Prosa - Academia Brasileira de Letras
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Jayme Ovalle: o homem que conhecia “a temperatura das almas”<br />
no achou por bem confiá-lo ao zôo, on<strong>de</strong> George não <strong>de</strong>ixou rastros Conta<br />
Werneck:<br />
“Décadas <strong>de</strong>pois, ela [uma amiga <strong>de</strong> Ovalle] ainda se lembraria daquele senhor<br />
grisalho e circunspecto, <strong>de</strong> terno preto, chapéu-coco (ou downtown,<br />
como também se dizia), monóculo e, às vezes, bengala, a conduzir pela corrente,<br />
em plena Londres, um buliçoso macaquinho.”<br />
Na volta <strong>de</strong> Londres, em 1937, beirando os 43 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, Ovalle trouxe<br />
na bagagem dois livros <strong>de</strong> poesia, escritos em inglês: Poemas Ingleses e The Foolish<br />
Bird. Corria a lenda <strong>de</strong> que <strong>de</strong>sembarcara também com uma História <strong>de</strong> São Sujo,<br />
obra que imaginou mas não escreveu, afirma Werneck, que localizou o até<br />
hoje inédito The Foolish Bird nos arquivos <strong>de</strong> Manuel Ban<strong>de</strong>ira.<br />
Volta-se aqui ao problema do “insuficiente po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> expressão”, o que me<br />
fazconsi<strong>de</strong>rar a afirmativa <strong>de</strong> Clarice Lispector em A Descoberta do Mundo. “O<br />
que atrapalha ao escrever é ter que usar palavras [...]. Se eu pu<strong>de</strong>sse escrever por<br />
intermédio <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhar na ma<strong>de</strong>ira ou <strong>de</strong> alisar uma cabeça <strong>de</strong> menino ou <strong>de</strong><br />
passear pelo campo, jamais teria entrado pelo caminho da palavra.”<br />
Clarice inteiramente ovalliana!<br />
Pouco <strong>de</strong>pois da chegada <strong>de</strong> Londres – continua o biógrafo no trecho<br />
que reproduzo a seguir –, <strong>de</strong>u-se o encontro <strong>de</strong> Ovalle com Vinicius <strong>de</strong><br />
Moraes, que adotaria, na expressão <strong>de</strong> Otto Lara Resen<strong>de</strong>, os “ovallianos<br />
diminutivos”:<br />
“Vinicius <strong>de</strong> Moraes, por exemplo, dizo escritor mineiro [Otto Lara Resen<strong>de</strong>],<br />
‘com todos os seus ovallianos diminutivos’, <strong>de</strong>ve ser visto como ‘um<br />
viril expoente’ do ‘carinho antimachista’ <strong>de</strong> que Jayme Ovalle seria o ‘patriarca’.<br />
A uni-los, acrescenta, uma ausência <strong>de</strong> vergonha ‘do que é ser bom,<br />
frágil e humano, também feminino’.<br />
Muito antes, porém, do ‘poetinha’ – que um dia, para justificar atraso<br />
num compromisso, explicou a Paulo Men<strong>de</strong>s Campos que em sua casa ti-<br />
213