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Prosa - Academia Brasileira de Letras

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O país do alimento<br />

comida, segundo Luís da Câmara Cascudo, está muito mais vinculada a fatores<br />

espirituais do que a imperativos fisiológicos: “comemos não o substancial,<br />

mas o habitual, o lícito pela norma. Comemos, nós, os mo<strong>de</strong>rnos citadinos,<br />

pela propaganda industrial irresistível”.<br />

O modo <strong>de</strong> preparar um alimento é o retrato da civilização. O símbolo da<br />

alimentação industrializada é o abridor <strong>de</strong> latas. Luís da Câmara Cascudo estava<br />

preocupado com a <strong>de</strong>cadência do paladar. A boca ruim. O gosto sem gosto.<br />

Isso entra em perfeita sintonia com o diagnóstico silvamelliano sobre a vitaminomania<br />

farmacêutica contemporânea e o ocaso da tradição alimentar. O círculo<br />

vicioso do supermercado à drogaria. A doença começa pela comida. O<br />

tipo <strong>de</strong> comida que leva à enfermida<strong>de</strong>, e esta a um remédio muitas vezes falso,<br />

ou como se dizhoje do “genérico”: um remédio que cura pela meta<strong>de</strong>. Nossa<br />

vida entre o supermercado e a drogaria é um flagrante significativo da presença<br />

da engrenagem multinacional no cotidiano do país. É isso o conteúdo da crítica<br />

do gastrocolonialismo empreendida por Silva Mello, assim como Luís da<br />

Câmara Cascudo, a propósito das refeições anunciadas em latas e pastilhas, <strong>de</strong>nunciou<br />

a “padronização do robot sobre o sapiens”, injuriado com a “ciência nefasta<br />

dos colorantes mascaradores das mistificações subjetivas, da incaracterização<br />

gustativa.” É a mesma lógica do self-service substituindo a mesa. A <strong>de</strong>cadência<br />

da conversa. Silva Mello assinaria em baixo, abonando o conceito cascudiano:<br />

“O ato <strong>de</strong> alimentar-se transcen<strong>de</strong>u do próprio imediatismo fisiológico<br />

da nutrição. Virtu<strong>de</strong>s e vícios, a vida e a morte contêm-se nos alimentos e<br />

são levados ao organismo em potência espiritual.” O que avulta em primeiro<br />

plano é o gosto, o paladar, o prazer. Luís da Câmara Cascudo cita a frase do<br />

ensaísta espanhol Júlio Camba: “Toda comida <strong>de</strong>be <strong>de</strong>jarnos al final una satisfacción psicologica”.<br />

No capítulo “Sociologia da Alimentação”, Cascudo evoca Silva Mello, não<br />

como nutricionista, mas como aquele que “prestigia o que comemos”, isto é, o<br />

<strong>de</strong>gustador e sabedor da tradição culinária. Ambos, Luís da Câmara Cascudo e<br />

Silva Mello, são mestres em mostrar as equivalências entre o ser humano e a escala<br />

animal. É preciso tomar cuidado com a novida<strong>de</strong> em matéria <strong>de</strong> alimenta-<br />

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