Prosa - Academia Brasileira de Letras
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Subjetivida<strong>de</strong>, história e genealogia em João Cabral<br />
gular. Nesse momento do poema, que não é no início e nem no fim, se processa<br />
uma consubstanciação poética que fun<strong>de</strong> o que é matéria canavieira com o<br />
ofício do tetravô <strong>de</strong> João Cabral. Curioso é que isso aconteça numa parte do<br />
poema que parece estar submersa a seu enunciado mais ostensivo, quando o lexicógrafo<br />
é apresentado ou quando o universo canavieiro, <strong>de</strong> sua vivência e<br />
i<strong>de</strong>ntificado à sua expressão, é ressaltado. Mais do que um ponto <strong>de</strong> passagem<br />
entre a personagem <strong>de</strong>scrita e o ambiente da Muribeca, os oito versos que se<br />
iniciam na meta<strong>de</strong> do poema po<strong>de</strong>m ser entendidos como seu núcleo mesmo,<br />
uma vezque aí se realiza a síntese da matéria que aponta para seu quarto avô,<br />
no que dizrespeito ao trabalho da linguagem e ao universo canavieiro. É possível<br />
tomar, pois, este momento do poema como sendo altamente expressivo,<br />
porque não é mais a referência ao antepassado que se impõe e tampouco é somente<br />
aquela sociabilida<strong>de</strong> que está sendo acionada. Na verda<strong>de</strong>, aí se consolida<br />
uma realização lingüística na qual o sujeito está completamente absorvido<br />
pela linguagem. De modo que, a partir das referências, constitui uma modalida<strong>de</strong><br />
expressiva própria.<br />
Assim colocado o problema, convém fazer uma breve <strong>de</strong>monstração do<br />
aproveitamento lingüístico feito pelo lexicógrafo ancestral e <strong>de</strong> como o seu dicionário<br />
incorporou variações brasileiras. Vejamos, pois, alguns <strong>de</strong> seus verbetes<br />
que tratam justamente da matéria canavieira, para enxergar aí “o léxico em<br />
mel-<strong>de</strong>-engenho” mencionado no poema, conforme os exemplos que se seguem,<br />
todos retirados da sua segunda edição. 9<br />
ALMANJARRA. s.f. Peça <strong>de</strong> pau dos engenhos <strong>de</strong> açúcar, da nora, atafona, e outras máquinas,<br />
à qual se pren<strong>de</strong>m bois, cavalos, ou outros animais, que as fazem trabalhar.<br />
Este vocábulo, que foi preterido dos dicionários mais mo<strong>de</strong>rnos, dá dimensão<br />
precisa <strong>de</strong> uma marca do tempo, bem como da assimilação da matéria bra-<br />
9<br />
SILVA, Antonio <strong>de</strong> Moraes. Dicionário da Língua Portuguesa. Recopilado, emendado e muito<br />
acrescentado. 2.ª ed. Lisboa: Tipografia Lacerdina, 1813.<br />
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