Prosa - Academia Brasileira de Letras
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Duas histórias do Brasil <strong>de</strong> Dom João<br />
ses, particularmente seus estratos mais abastados, ligados ao comércio internacional,<br />
ao tráfico <strong>de</strong> escravos e ao sistema <strong>de</strong> crédito, viram-se irresistivelmente<br />
atraídos pelo brilho da Corte e logo se meteram nessa guerra palaciana. Tinham<br />
aquilo <strong>de</strong> que o rei e seu Estado tanto precisavam naquela circunstância<br />
heróica, em que singraram o oceano para salvar o corpus místico do soberano:<br />
tinham l’argent, com o qual socorreram as inúmeras urgências do rei, que em reconhecimento<br />
paternal lhes retribuiu com cargos e distinções.<br />
O <strong>de</strong>sembarque da real comitiva é <strong>de</strong>scrita pelos panegiristas como uma<br />
quase epifania, catártica, arrebatadora. Mas fato é que a primeira coisa que fez<br />
o rei e seu séqüito foi porem-se <strong>de</strong> joelhos, prostrados, diante <strong>de</strong> um altar ali<br />
improvisado, on<strong>de</strong> beijariam a cruze receberiam as <strong>de</strong>vidas bênçãos do cabido<br />
da catedral. Após todas as aspersões e turificações, saiu a procissão rumo à improvisada<br />
Sé, na ocasião a igreja dos pretos do Rosário, on<strong>de</strong> então funcionava<br />
provisoriamente o cabido. Nada mais eficazdo que uma procissão para colocar<br />
cada um no seu <strong>de</strong>vido lugar. Numa socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Corte, quanto mais próximo<br />
do rei, mais alto na escala social – e mais facilmente objeto das reais mercês.<br />
Por isso, será muito revelador observar quem eram aqueles personagens<br />
importantes, que surgem logo nas cenas das primeiras ações do rei em terra firme;<br />
aqueles que, por exemplo, seguravam as varas do pálio <strong>de</strong> seda sob o qual<br />
se recolheram os membros da família real, para, por entre as fileiras <strong>de</strong> soldados<br />
dispostos ao longo da Rua Direita, tomarem o rumo da catedral, on<strong>de</strong> culminaria<br />
a cerimônia do <strong>de</strong>sembarque com os te <strong>de</strong>um, orações e beija-mão real.<br />
Seguiram-se nove dias <strong>de</strong> luminárias.<br />
Tem-se notícia <strong>de</strong> que os escolhidos para segurarem as varas do pálio <strong>de</strong><br />
seda <strong>de</strong> ouro encarnada sob o qual ficariam as reais pessoas foram o presi<strong>de</strong>nte<br />
do senado da câmara, acompanhado <strong>de</strong> alguns “homens bons” da cida<strong>de</strong>,<br />
entre os quais Francisco Xavier Pires, Manuel Pinheiro Guimarães e<br />
Amaro Velho da Silva.<br />
A imprensa régia publicou em Lisboa uma interessante “relação das festas”<br />
realizadas Rio <strong>de</strong> Janeiro quando da chegada da família real, na qual se ajuntam<br />
algumas “particularida<strong>de</strong>s igualmente curiosas e que dizem respeito ao<br />
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