Prosa - Academia Brasileira de Letras
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Cyl Gallindo<br />
convivência na Casa do Estudante, por fim assinou o documento, que era uma<br />
homenagem a Cacilda Becker e, junto, nos ofereceu uma separata do verbete A<br />
Versificação em Língua Portuguesa, composto para a Enciclopédia Delta-Larousse.<br />
Ao nos <strong>de</strong>spedirmos, os dois companheiros já fora do apartamento e eu no<br />
meio da porta, o poeta segura-me pelo braço e indaga:<br />
– Você po<strong>de</strong>ria voltar, noutro dia, aqui em casa?<br />
Meio surpreso afirmei que sim. Ele voltou à mesa, anotou seu telefone num<br />
pedacinho <strong>de</strong> papel e pediu que ligasse para combinarmos. Ninguém soube<br />
atinar com o motivo do convite. Dias <strong>de</strong>pois, liguei e ele disse:<br />
– “Venha hoje, lá pelas duas e meia, ou três horas.”<br />
Às 14h30min, estava eu batendo na sua porta. O poeta aten<strong>de</strong>u e, com naturalida<strong>de</strong>,<br />
fez-me entrar e sentar. Ele veio para a sala e conversamos mais <strong>de</strong><br />
uma hora. Nesse ínterim, batem na porta: era um cidadão argentino. Ban<strong>de</strong>ira<br />
o recebe com euforia. Apresenta-nos e voltamos a sentar. A palavra ficou praticamente<br />
com o argentino, a contar toda sorte <strong>de</strong> aventuras vividas nas suas andanças<br />
do Sul ao Norte do Brasil, inclusive a surpresa que tivera ao ouvir uma<br />
cabocla ribeirinha, lá no Amazonas, cantarolando uma música cuja letra era<br />
um poema <strong>de</strong> Ban<strong>de</strong>ira. Os olhos do poeta brilharam <strong>de</strong> satisfação.<br />
Passadas as 18 horas, pedi licença aos amigos, porque eu <strong>de</strong>veria ir jantar<br />
no Calabouço. Ban<strong>de</strong>ira, pondo-me à vonta<strong>de</strong>, libera-me e pe<strong>de</strong> que eu volte<br />
outras vezes. Eu, meio sério, parei e lhe disse que ele não me havia explicado<br />
o porquê do convite para ir à sua casa. O poeta <strong>de</strong>u uma risada, abriu os<br />
braços para que o seu amigo argentino visse e ouvisse a justificativa do seu<br />
convite.<br />
– Meu filho, eu o chamei porque eu queria matar as sauda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sse sotaque<br />
safado do Recife, que você o tem, bem genuíno.<br />
Em casa, Clécio e Adauto não se <strong>de</strong>ram por vencidos. Ficaram a conjeturar<br />
outro motivo por trás das palavras do poeta, que ele não havia revelado por<br />
causa da presença do argentino.<br />
Voltei <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> vezes, a princípio na expectativa <strong>de</strong> uma revelação. Ciente<br />
<strong>de</strong> que não havia mesmo outro motivo, fui me familiarizando. Houve oportu-<br />
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