13.04.2013 Views

Prosa - Academia Brasileira de Letras

Prosa - Academia Brasileira de Letras

Prosa - Academia Brasileira de Letras

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Cyl Gallindo<br />

– Nenhum, respondi, isso existe na generosida<strong>de</strong> do poeta.<br />

Ban<strong>de</strong>ira atalhou:<br />

– Poeta não é quem publica livros, mas quem escreve poesia, e você escreve.<br />

Além <strong>de</strong> escrever, realiza recitais no MEC, encantadores.<br />

E tão íntimos nos tornamos, que eu lhe contava anedotas e piadas, colhidas<br />

nos círculos estudantis. A princípio, cheio <strong>de</strong> cerimônia, tentava amenizá-las<br />

com palavras eruditas, em substituição a termos chulos, como vagina, pênis,<br />

ânus. Fui repreendido:<br />

– Conte a anedota como ela é, só estamos aqui nós dois.<br />

Não me fiz<strong>de</strong> rogado. Isso se observa numa <strong>de</strong> suas cartas, em resposta a<br />

outra que lhe enviei, em que diz:<br />

– Gallindo, não pu<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> me rir, ao ser tratado <strong>de</strong> “respeitável Mestre”.<br />

Mas era e continua sendo respeitável e respeitado. A intimida<strong>de</strong> que me<br />

concedia não significava falta <strong>de</strong> respeito, mas senso <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong>, sua extremada<br />

modéstia e o sumo retido da simplicida<strong>de</strong> nor<strong>de</strong>stina a nos i<strong>de</strong>ntificar.<br />

Creio que fiquei mais à vonta<strong>de</strong> com o poeta, nesse terreno, do que com o meu<br />

próprio pai.<br />

Nunca nos sentamos para falar formalmente <strong>de</strong> Literatura. Nossa conversa<br />

era coloquial, mesmo assim cada encontro nosso valia por muitas aulas. Sobre<br />

a importância da cultura nor<strong>de</strong>stina na Literatura <strong>Brasileira</strong>, sobre a obra estrutural<br />

<strong>de</strong> Gilberto Freyre, sobre a força telúrica <strong>de</strong> Ascenso Ferreira, o rigor<br />

estilístico <strong>de</strong> Graciliano Ramos, a substantivação e a disciplina <strong>de</strong> João Cabral<br />

<strong>de</strong> Melo Neto, o domínio lírico <strong>de</strong> Mauro Mota, o feminino <strong>de</strong> Rachel <strong>de</strong><br />

Queiroz, a cor “que nem Paris conseguiu escurecê-la” <strong>de</strong> Cícero Dias. Só nunca<br />

falou <strong>de</strong> si próprio, nem me permitia tocar no nome <strong>de</strong> Álvaro Lins.<br />

Jamais o atormentei com pedido <strong>de</strong> leituras ou <strong>de</strong> notinhas sobre poemas<br />

<strong>de</strong> minha autoria, também não o convi<strong>de</strong>i para recitais, em que <strong>de</strong>clamávamos<br />

seus poemas, e sobre os quais eu tecia comentários, como “Evocação do Recife”.<br />

Dizem que um homem está fisicamente estruturado se receber trato a<strong>de</strong>quado<br />

do momento da geração até fechar a moleira, ou abóbada do crânio; e<br />

intelectualmente completo até os <strong>de</strong>zanos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Daí em diante, tudo mais<br />

94

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!